Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.
A hipocrisia das vaias contra os nadadores russos
A pergunta foi feita por um jornalista para a nadadora Lilly King que havia dito cobras e lagartos sobre a russa Iulia Efimova e agora dividia com ela o pódio e a mesa de entrevistas após os 100 m peito.
Lilly acabara de dizer com ar superior que mantinha o que havia dito antes, que Iulia não deveria estar ali porque já havia testado positivo para doping em sua carreira e que sua vitória mostrava que o esporte limpo vale a pena. Não tinha, inclusive, cumprimentado a adversária que havia deixado em segundo lugar na prova.
Odd Andersen/AFP | ||
A nadadora russa Iulia Efimova chora ao conseguir medalha de prata na Rio-2016 |
O jornalista queria saber se ela achava que Justin Gatlin também deveria deixar o time dos EUA. Gatlin é uma das grandes estrelas do atletismo do país. Pode vencer Usain Bolt. Tem no currículo duas punições por uso de substâncias dopantes.
Deu para perceber que o pensamento de Lilly engasgou. O roteiro do "nós, Team USA, limpos" X "eles, os russos, sujos e malvados" desmorona facilmente. A nadadora disse que achava que qualquer atleta já punido deveria ser barrado, mas não pareceu nada convincente.
Essa pergunta mostra o tamanho da hipocrisia das vaias aos nadadores russos no Estádio Aquático da Rio-2016. Os norte-americanos que vaiam ignoram os casos positivos e os escândalos que pipocam em seu próprio quintal. Brasileiros que fizeram coro entram numa cruzada pelo esporte limpo seletiva e aplaudem nadadores do país que também já foram flagrados e/ou punidos.
Iulia recorreu à Corte Arbitral do Esporte para poder nadar a Olimpíada. Ela estava inicialmente fora porque o COI (Comitê Olímpico Internacional) liberou os russos a virem para o Rio, mesmo com os escândalos envolvendo o esporte do país, desde que nunca tivessem tido um teste positivo. Foi uma "suspensão" que ficou pelo meio do caminho.
Iulia já foi flagrada duas vezes. Na primeira, admite o erro. Na segunda, diz ter sido vítima de contaminação. Já pagou sua pena. Mas continua a aguentar olhares tortos e vaias.
O mesmo tipo de julgamento acontece com outras atletas. Katinka Hosszu, húngara, três ouros no Rio, convive com as suspeitas de doping. Katie Ledecky, americana, dois ouros no Rio, é um fenômeno.
A cruzada pelo esporte limpo não pode ter dois pesos e duas medidas e nem ser carregada de preconceitos. Vaiar só quando lhe é conveniente é hipocrisia.
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