É jornalista e roteirista.
Escreve às quintas e sábados.
Vocês não têm vergonha?
O Rio está prestes a passar pelo maior vexame de sua história. Vai mostrar para o mundo que não passa de uma cidade abandonada numa paisagem bonita rodeada de um mar de cocô. Já escrevi sobre a situação calamitosa das águas do mar, das lagoas e canais na metade de abril.
Agora, a agência Associated Press divulga o resultado de análises da água feita em todos os locais de competição da Rio-2016 e também da praia de Ipanema, pela sua popularidade entre os turistas e os moradores. Tudo uma merda. Literalmente.
Vela, remo, nado e canoagem serão disputados em locais em que as concentrações de vírus são as mesmas encontradas em esgoto puro, 1,7 milhão de vezes acima do que seria considerado alarmante numa praia do sul da Califórnia, por exemplo, que já estaria interditada.
Se fossem interditar as praias cariocas, seria melhor mandar fechar o Rio e jogar a chave fora. A reportagem da AP diz que o índice de toxicidade das águas só é comparável ao da Índia e a de países africanos.
Posso entender que tanto os governos quanto o COB simplesmente não tenham vergonha de mentir descaradamente sobre a merda que banha a cidade para quem mora nela. Não é de hoje que o cidadão está largado à própria sorte –ou ao próprio esgoto.
Mas eu quero ver com que cara de pau essa gente vai tentar convencer o mundo que não há problema em praticar esportes em litros e litros de cocô. A reportagem da AP foi replicada em vários jornais do mundo. Minha pergunta é: senhor governador Luiz Fernando Pezão, senhor presidente do COB Arthur Nuzman, vocês não têm vergonha?
Eu tenho. Muita vergonha. Não de mostrar ao mundo que vivemos na merda. Tenho vergonha de viver na merda todos os dias sem que nada seja feito. É um crime o que se vai fazer com os atletas, mas é um crime ainda maior o que se faz com o cidadão do Rio de Janeiro há décadas.
É claro que a responsabilidade no que diz respeito à Olimpíada tem que ser compartilhada com o COI. Até o momento, eles dizem é que vão manter os testes bacterianos, e que, segundo as normas do Organização Mundial da Saúde, está tudo bem.
Quem essa gente quer enganar?
O COI arranjou um jeitinho brasileiro para tapar um problema brasileiro. Segundo as normas tupiniquins, a qualidade de água para uso recreativo é baseadas apenas em níveis bacterianos. Não há regulamentação sobre quantidade de vírus, mas a maioria das doenças transmitidas nesse meio é viral e não bacteriana.
O COI vai na contramão de especialistas dos EUA e Europa que exigem que as agências reguladores incluam testes de vírus para determinar qualidade de água. Mas nem é preciso ser expert para saber que está tudo sujo, poluído e fedorento. Tanto faz se é de vírus ou bactéria.
Há 13 anos, namorei um velejador neozelandês, que dava a volta ao mundo da Volvo Ocean Race, a F-1 da vela. Ele dizia que o Rio era o lugar mais sujo do mundo onde havia velejado. Por razões óbvias, ele detestava a cidade. Pense num médico trabalhando num hospital sucateado.
Ele e seus colegas eram poucos, num esporte que não é tão popular. Mas imagine o estrago que será para a imagem da cidade quando o mundo inteiro estará de olho nela. Imagine que lembrança os milhares de atletas que passarão por aqui na Rio-2016 levarão embora. Para água poluída não adianta colocar o exército na rua. Vai continuar fedendo do mesmo jeito.
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