Trabalhou na "Tribuna da Imprensa", em "O Globo" e "O Estado de S. Paulo" antes de ingressar na Folha, em 1991. Passou pelo agora extinto "Folhateen", foi colunista de "Esporte", repórter especial e ombudsman por um ano.
O espectro da Escola Base
Como se não bastasse o desaparecimento da menina às vésperas de festejar quatro anos, o jornalismo engulhou ainda mais o mundo no ano passado ao anunciar que a polícia portuguesa suspeitava da iminência do fim dos tempos: os pais de Madeleine McCann seriam os responsáveis pela "morte".
Das mais sisudas às mais espalhafatosas páginas, a notícia gritou. Na Europa, a história mal contada do sumiço da garotinha inglesa durante as férias no sul de Portugal, em maio de 2007, tornou-se uma obsessão.
A ausência de lágrimas da mãe intrigou. "Especialistas", esta espécie da qual a imprensa se fez dependente, foram escalados para decifrar os olhos secos. A barbárie se batizara de nomes, Kate e Gerry, e sobrenome, McCann.
Duas semanas atrás, o chefe da Polícia Judiciária de Portugal reconheceu: pode ter havido precipitação em declarar os pais como suspeitos. A afirmação de Alípio Ribeiro passou quase despercebida no Brasil.
Quando foi para alardear a desconfiança, convocaram-se trombetas. Na hora de informar o recuo, entreouviram-se sussurros.
Lembrei do caso Madeleine ao ler reportagem de Simone Iglesias na Folha do último domingo, "Jovem diz que mentiu ao acusar de pedofilia casal de americanos".
Mais horror: dois casais, um americano e um brasileiro, integrantes da comunidade de nudistas Colina do Sol, foram presos em dezembro no Rio Grande do Sul sob suspeita de pedofilia.
O Ministério Público os acusa de "atentado violento ao pudor, corrupção de menores, formação de quadrilha e produção e divulgação de imagens de sexo com crianças e adolescentes". Os denunciados se dizem inocentes. Não houve julgamento.
Os investigadores colecionaram indícios de que jovens sofreram abusos. Um deles, de 16 anos, dissera ter sido obrigado a assistir a um sexagenário se masturbando. Depois, assegurou à Corregedoria da Polícia Civil que mentira ao ser agredido por policiais.
Ignoro se os acusados cometeram ou não os crimes. Bem como se o casal McCann é vítima ou autor da tragédia. Ou se Madeleine está viva. O que sei é que não cabe ao jornalismo sentenciar. Ele deve apurar e informar. Julgamento é com outras instituições do Estado democrático.
É o que se reafirmou em 1994, quando inocentes foram presos por acusações improcedentes de violência contra crianças na Escola Base, em São Paulo. De início, o jornalismo se limitou às fontes oficiais. Não deu voz aos investigados nem espaço a informações que contradissessem as suspeitas. Alguma lição daquela cobertura sombria ficou, como se constatou com a ótima reportagem dominical.
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