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Mario Mesquita

 

11/07/2012 - 03h00

Momento cíclico

DE SÃO PAULO

Os dados não mentem, mas às vezes confundem. Esse parece ser o estágio atual da atividade econômica no Brasil. As safras recentes de dados mostram uma combinação rara de taxa de desemprego muito baixa e inflação aparentemente bem comportada. A raridade de tal combinação de dados suscita questões sobre sua sustentabilidade.

Uma possível explicação é que talvez a taxa de desemprego agregada seja um indicador impreciso da efetiva influência do mercado de trabalho sobre a inflação.

Outros indicadores poderiam apontar para um mercado de trabalho mais folgado e, consequentemente, menos inflacionário. A propósito, pesquisas recentes do Banco Central, resumidas em um interessante texto para discussão (de número 279, publicado em maio passado), apontam para indicadores alternativos do estado do mercado de trabalho que poderiam explicar melhor o comportamento da taxa de inflação.

Um deles seria a taxa de desemprego entre chefes de família, outro o desemprego entre aqueles com mais de 50 anos, bem como entre trabalhadores no comércio.

Exame detalhado dessas medidas alternativas foge ao escopo desta coluna, mas os resultados estatísticos dos estudos do BC parecem promissores --ainda que o próprio texto reconheça que o entendimento desses indicadores desagregados, em especial os dois últimos, requeira esforço investigativo adicional. O comportamento dos salários reais, que voltaram a crescer fortemente nos últimos meses, parece, contudo, fragilizar essa tese.

Outra possibilidade é que estaríamos, deveras, em um mundo melhor, no qual teria ocorrido uma redução permanente da taxa de desemprego que acelera a inflação, a chamada Nairu --cujas estimativas tradicionais apontavam para a região entre 7,5% e 8,5%.

Ocorre que, excetuando tendências demográficas, que, de resto, se manifestam lentamente, não há muitas razões para supor que a mesma tenha caído na mesma proporção da taxa de desemprego efetiva.

Em resumo, a Nairu parece de fato ter caído, mas provavelmente não para níveis próximos a 5%, como a última estatística divulgada.

Isso sugere que parte da queda da taxa de desemprego é cíclica, não estrutural, e pode, sim, apontar para a elevação da inflação, ao menos no que se refere a setores menos expostos à concorrência externa, ao longo do tempo.

Mas a reconciliação da inflação "bem comportada" (para os padrões nacionais, ainda alta para padrões internacionais) com o desemprego ciclicamente reduzido passa também por lembrar que a dinâmica dos preços, ainda que ditada no médio e longo prazos por fatores monetários, reflete fatores temporários de natureza não monetária, bem como o estágio da economia mundial.

Entre os primeiros, cabe mencionar a contribuição da política fiscal. Cortes de tributos em segmentos com peso importante no IPCA, como o automotivo, contribuem para conter a inflação no curto prazo.

Por outro lado, reduções de tributos que contribuam para uma (a esta altura provável) redução no superavit primário tendem, ainda que com defasagens, a favorecer a elevação da inflação ao longo do tempo --como sinaliza o próprio BC em seus documentos. Há também, no ano corrente, a usual repressão de preços definidos em esfera municipal, típica de anos eleitorais.

O comportamento do PIB mundial também influencia a inflação doméstica, por vários canais, entre eles ao limitar o crescimento das exportações e disciplinar a formação de preços de produtos comercializáveis.

Assim sendo, o ciclo mundial pode contribuir para incrementar (como entre 2006 e o terceiro trimestre de 2008) ou amenizar (como na virada de 2008 para 2009 e desde meados de 2011) as pressões econômicas domésticas.

Tanto os fatores não monetários de curto prazo quanto os externos têm atuado de forma importante para conter a inflação no curto prazo. Tais efeitos podem ser persistentes, mas não serão permanentes.

Nesse contexto, o comportamento recente do mercado de trabalho ainda suscita preocupações e sugere que novos estímulos à demanda deveriam ser ministrados com cada vez mais parcimônia.

Mario Mesquita

Mario Mesquita, doutor em economia pela Universidade de Oxford, ex-diretor de Política Econômica do BC e ex-diretor setorial de economia da Febraban.

 

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