Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

marion strecker

 

23/08/2012 - 03h00

O velho é ruim?

Estou em Nova York ouvindo Johann Sebastian Bach (1685-1750) e relendo Herbert Marshall McLuhan (1911-1980). Coisas que já fazia décadas atrás, quando tudo era novo para mim.

No mundo da tecnologia (e em outros mundos também), o novo é um valor supremo. Um rei. Um deus. Precisa ser adotado rapidamente, sob o risco de parecer "ultrapassado" ou "velho".

Depois que entendi que estava sofrendo com sintomas de um mal bem contemporâneo, que nos EUA ganhou o nome de IAD (Internet Addiction Disorder), comecei a pensar este tipo de coisa: o velho é ruim?

A resposta é óbvia, mas precisa ser dita de novo. É claro que o velho não é ruim. O ruim é ruim. E o bom é bom. O velho pode ser ruim ou bom, assim como o novo.

Outro dia, serva voluntária da internet, num gesto mecânico atualizei o aplicativo de um dicionário. Para quê? Perdi tempo e ganhei um monte de propaganda invasiva, prejudicando o uso do dicionário.

Claro que resolveram "monetizar" o produto, como se diz nas corporações. Está bem. É justo. Mas piorar subitamente a vida do público é um pecado que as empresas não deveriam cometer, se alguma coisa além do dinheiro rápido interessar.

Tem jeitos e jeitos de monetizar produtos. Tem jeitos e jeitos de fazer publicidade, "branding" e comércio. Não é preciso irritar o consumidor. É preciso servi-lo. De preferência encantá-lo.

É por isso que a Apple cresceu tanto. Ela sabe encantar. Só que a Apple, depois do iPhone e do iPad, ficou grande demais. E perdeu seu timoneiro, Steve Jobs (1955-2011), que preferia a perfeição ao dinheiro rápido. O fato é que hoje meu iPhone 4 às vezes trava e preciso apelar à tática que antes usava com a Microsoft: desliga e liga de novo.

Também tenho notado erros frequentes de sincronização de dados, já que uso vários aparelhos.

Nomes da minha agenda foram duplicados, triplicados, quadruplicados à minha revelia, depois que adotei o serviço de "nuvem" da Apple: primeiro o MobileMe (aquele que fez Jobs demitir um executivo de forma humilhante) e depois o iCloud.

Sou do ramo. Sei como é difícil trabalhar na vanguarda da tecnologia. Mas as empresas precisam entender que o público não é apenas um número, uma estatística, um bem a ser explorado e esfolado. O público merece respeito.

Outro dia, meu marido foi à Vivo em São Paulo abrir um plano familiar. Quando questionou o estratosférico valor da conta de nosso filho, o atendente falou candidamente: se ele tivesse reclamado, teríamos baixado o preço.

Que beleza. A culpa é nossa! O custo varia conforme a raiva do consumidor. Ameaçou cancelar, a empresa amacia. Quanto tempo e saúde perdemos com esse tipo de raiva?

Justo por ser viciada em internet e profissional do ramo há tantos anos, digo com tranquilidade: o velho pode ser melhor que o novo. Geralmente não há por que ter pressa. A não ser que a vaidade de parecer "antenado" ou "moderno" fale mais alto. Olha só que termos velhos eu usei. Foi de propósito!

Quando troquei o iPhone 3 pelo 3S, fiquei decepcionada com a mínima diferença. Quando troquei o primeiro iPad pelo iPad 2, também fiquei um pouco decepcionada. Veio com câmera, que pouco uso, mas é mais espesso e a capa nova desmontava fácil, além de não proteger a parte de trás. OK, troquei a capa, só que ele ficou mais espesso ainda.

Quando veio o iPad 3, chamado apenas de "novo" iPad, fiquei com preguiça. Não senti que precisava de um novo iPad. Aí ouvi de quem comprou que agora precisava também trocar o computador, porque se acostumou com a tela de maior definição"¦

O Retina é o melhor computador já feito na história? Lindo. Mas não vem com leitor de DVD. E a Netflix não transmite on-line certos filmes que preciso ver. Mas pode mandar o DVD. E o YouTube também não tem os filmes, porque o cinema americano sabe defender seus direitos. E eu não estou a fim de baixar pirata nem de tentar outros serviços porque estou ocupada.
Como se diz no Twitter, #prontofalei.

marion strecker

Marion Strecker é jornalista e cofundadora do UOL. Começou sua carreira como professora de música e coeditora da revista Arte em São Paulo. É formada em comunicação social pela PUC-SP. Trabalhou na Redação da Folha entre 1984 e 1996, onde foi redatora, crítica de arte, editora da 'Ilustrada', editora de suplementos, coordenadora de planejamento, coordenadora de reportagens especiais, repórter especial, diretora do Banco de Dados, diretora da Agência Folha e coautora do Manual da Redação. É colunista da Folha desde 2010. Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conteúdo do UOL de 1996 a 2011. Viveu em San Francisco, Califórnia, de julho de 2011 a julho de 2012, atuando como correspondente do portal. Mudou-se para Nova York, onde começou a escrever um livro sobre internet, previsto para sair pela Editora Record. Atualmente vive em São Paulo.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página