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marion strecker

 

12/11/2012 - 03h30

Três mitos gregos

Podem me chamar de Cassandra. Eu não ligo. Essa figura mítica grega, a quem Apolo ensinou os segredos da profecia, passou a ser tida por louca quando tentou comunicar aos troianos suas previsões de catástrofe e desgraças, todas realizadas.

Depois que Cassandra se negou a dormir com Apolo, o deus vingativo lançou-lhe a maldição de que ninguém jamais viesse a acreditar na profetisa.

O nome de Cassandra surgiu na semana passada no debate promovido pelo jornalista Alberto Dines no programa "Observatório da Imprensa", na TV Brasil. A discussão era a morte dos jornais, assunto que voltou à baila com a recente extinção do paulistano "Jornal da Tarde" e com a decisão da revista norte-americana "Newsweek" de prosseguir atividades apenas on-line, não mais em papel.

Escrevi que podem me chamar de Cassandra, pois minha previsão é que os jornais vão, sim, acabar. Aliás, já estão acabando. Centenas sumiram nos últimos anos. Sinto muito, pois eu adoro jornais. Além disso, eles têm uma função política fundamental na defesa do interesse público e na sustentação da democracia, frequentemente superior ao desempenho de outros meios de comunicação especializados em notícias ligeiras e pouca investigação.

Mas os tempos são de mudanças. Quem quer comprar um jornal que não traz o resultado da eleição norte-americana, ocorrida na véspera? Quem, entre os usuários da internet, quer abrir mão de enviar artigos por e-mail, compartilhar notícias em redes sociais, comentar ou discutir um texto com o seu autor on-line, consultar arquivos na hora? Os jovens é que não são.

Ainda tenho o fetiche de empunhar um jornal e sentir o mundo nas mãos. Gosto da sua organização, da sua periodicidade, do seu material. Cresci com eles ao meu redor. Leio diariamente, com prazer e afinco.

Mas vejo que existe hoje um fetiche bem maior com iPhones, iPads, Galaxys e similares. Todos eles suportes possíveis para o bom jornalismo.

Então prever o fim dos jornais não é sinônimo de prever o fim do jornalismo, bem entendido.

Não faço parte das turmas que tentam vender a ideia de que jornalistas são dispensáveis num mundo em que qualquer um pode publicar qualquer coisa na internet.
O que me salta aos olhos na internet são outros mitos gregos: Eco e Narciso.

Narciso é um jovem magnífico que se apaixona pela própria imagem refletida na água. Acabou consumido pelo amor-próprio e se tornou o nome da flor encontrada onde ele desapareceu.
Somos todos Narcisos no Facebook, Orkut ou Instagram, quando publicamos fotos dos nossos sorrisos e melhores momentos.

Eco é uma ninfa que amava os bosques e os montes, mas tinha um defeito: falava demais e sempre queria ter a última palavra em qualquer discussão.

Como Eco fez o papel de distrair Hera enquanto Zeus se divertia com outras ninfas, ela recebeu um castigo. Perdeu o direito à própria voz, que tanto amava. Foi condenada a repetir eternamente a última palavra do que os outros falassem.

Pois são muitos ecos que encontro no Twitter e em outras redes sociais. Repetições contínuas, em vez de um mar de palavras originais.

marion strecker

Marion Strecker é jornalista e cofundadora do UOL. Começou sua carreira como professora de música e coeditora da revista Arte em São Paulo. É formada em comunicação social pela PUC-SP. Trabalhou na Redação da Folha entre 1984 e 1996, onde foi redatora, crítica de arte, editora da 'Ilustrada', editora de suplementos, coordenadora de planejamento, coordenadora de reportagens especiais, repórter especial, diretora do Banco de Dados, diretora da Agência Folha e coautora do Manual da Redação. É colunista da Folha desde 2010. Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conteúdo do UOL de 1996 a 2011. Viveu em San Francisco, Califórnia, de julho de 2011 a julho de 2012, atuando como correspondente do portal. Mudou-se para Nova York, onde começou a escrever um livro sobre internet, previsto para sair pela Editora Record. Atualmente vive em São Paulo.

 

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