Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.
Calor ou ar condicionado
Além de salto triplo carpado, sem rede de proteção, Lula aceitar ser ministro implica rendição. Depois de detido e interrogado, ele disse que percorreria o Brasil. Conclamaria o povo a se defender, a defendê-lo, e ao governo de Dilma. Não poderia mais fazer isso.
Teria que aposentar oratória elétrica, em benefício de tertúlias com raposas sibilinas, da negociação de cargos e sinecuras. Entabularia um toma-lá-da-cá sem fim. Em vez do calor das ruas, frequentaria gabinetes com ar condicionado.
O potencial de conflitos com Dilma seria permanente. Resultaria um governo de tensão continuada, cujo norte só pode ser um: a conciliação, estratagema no qual os trabalhadores costumam sair perdendo. Lula se livraria de uma eventual prisão em Curitiba. Marisa e seus filhos, não.
Dilma, por sua vez, não se livrará das delações premiadas. Como a de Otávio Marques de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, preso em junho passado. Engenheiro com carreira na área pública, ele é um mineiro capaz de encher a sala com palavras, mas prefere assuntar.
Os colegas achavam que, dado o seu alto astral, resistiria à pressão para fazer a delação premiada. Cadeia é fácil para quem nunca foi em cana. Os dias passaram, viraram meses, que se repetiriam até onde a vista alcança. Azevedo entrou em tratativas com a Lava Jato.
Na semana passada, ele depôs à Procuradoria-Geral da República. O depoimento está em segredo de Justiça até ser homologado pelo juiz Teori Zavascki, do Supremo. Isso deve se dar em meados de abril, o mais cruel dos meses.
Azevedo disse à Procuradoria que o ministro Edinho Silva e Giles Azevedo, factótum de Dilma, lhe pediram que a Andrade Gutierrez fizesse doações à campanha de reeleição da presidente. Ricardo Pessoa, dono da UTC, adotou atitude parecida. Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, deverá falar a mesma coisa.
O PT, o PMDB e partidecos serão implicados pelos depoimentos. Os tucanos, não. Mas importa menos que Aécio Neves e Geraldo Alckmin tenham sido escorraçados da avenida Paulista: a articulação junto ao Tribunal Superior Eleitoral para tirar Dilma do Planalto receberá um empuxo decisivo.
A destituição da presidente poderá ser feita na Câmara, antes até de o caso chegar ao TSE, com Lula no governo ou não. Quem dá as cartas lá é o pântano, conhecido como PMDB. Sob o comando pândego de Eduardo Cunha e Renan Calheiros, o partido avisou no sábado que abandonaria o navio se as manifestações do dia seguinte ribombassem, o que ocorreu de sobra.
Entre a rua Augusta e a Haddock Lobo, tiozinhos barrigudos, com latas de cerveja na mão, puxavam o coro: "Lula cachaceiro/devolve o meu dinheiro!". Todos os seguiram. Nem o general João Figueiredo, há 31 anos, foi enxovalhado assim no ato pelas Diretas no Anhangabaú.
Para acordar sua base, o PT marcou comícios. Como nem os crentes acreditam que atrairá multidões, a pressão para Lula entrar no governo prosperou. O partido nada fez para organizar os trabalhadores nos últimos anos. Difícil que o faça agora, quando o desemprego grassa.
A manifestação na Paulista lembrou o entorno do ato no Anhangabaú. Há ruína material, miséria dos serviços públicos, ratazanas que dão piruetas e caem incólumes em outra nau, à cata de nacos em negociatas vindouras. A novidade é que a esquerda está prostrada.
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