Foi jornalista da Folha de 1984 a 1999, onde foi diretor da Sucursal de Brasília, secretário de Redação, repórter especial, editor da "Revista da Folha" e ombudsman em dois períodos, de 1991 a 1993 e em 1997.
A "polêmica das saias"
Vem bem a calhar a chamada "polêmica das saias", criada a partir de uma coluna na página 1-2 do diretor-executivo da Sucursal de Brasília, Josias de Souza. O assunto, na verdade, foi trazido ao debate por uma decisão do congresso do PT, segundo a qual o partido deveria reservar 30% de seus postos de direção para serem ocupados por mulheres.
O PT é tema obrigatório nos jornais, Não há uma reunião ou congresso importante que não dê margem a complicadas descrições das diversas alas que se engalfinham. Nenhum partido recebe vigilância tão estreita.
Mesmo que seja para estigmatizar, ironizar ou apenas polemizar, o PT continua exercendo fascínio nas redações. É verdade que boa parte desse interesse se justifica pela liderança de Lula nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República -embora essa liderança se deva a outros fatores e não primordialmente à atuação do partido. Mas o volume da cobertura extrapola critérios de proporcionalidade eleitoral.
Marcada por acusações de adesão ao petismo nos anos heróicos da década passada, a Folha é quem acompanha o PT com mais detalhes e constância. Ainda hoje, sente-se no jornal uma preocupação de evitar na cobertura do PT o tom de adesão -cada vez menor- e o preconceito, que muitas vezes surge apenas como expediente preparatório para nova adesão mais à frente.
Esse "encantamento" é recíproco. Os petistas são mais alertas ao que sai na Folha contra eles do que às imprecisões e discriminações, às vezes mais graves, oriundas de outros veículos.
No caso, a polêmica inaugurada por Josias de Souza partiu de uma proposta que o PT importou -veja só- dos Estados Unidos, onde a diversificação sexual e racial, compulsória ou voluntária, e uma instituição de bases sólidas, apoiada por todos os partidos implementada nos mais diversos setores.
A chamada "affirmative action" americana, crescente também na Europa, estabelece cotas para a participação de minorias em locais de trabalho, universidades e postos de decisão em geral. Tem ao menos uma grande vantagem, a de mexer na estrutura discriminatória (brancos em geral escolhem brancos para sucedê-los, homens idem etc, etc) para começar a alterar as regras de sua perpetuação.
Tem também importante lado negativo, pois lança sobre todos os representantes e minorias em postos importantes a suspeita de que só chegaram àquela posição por causa das cotas, por fora de um paternalismo, e não em razão de sua competência como argumenta o diretor da Sucursal de Brasília. Dá margem também a exageros ridículos, como o de propor paridade homem/mulher no corpo docente de escolas de engenharia.
Mas o problema dos que criticam o sistema de cotas é que frequentemente eles não têm nada a propor em seu lugar. Num país de padrões tão hipocritamente preconceituosos como o Brasil, e em que não se nota qualquer ação em maior escala para combater a discriminação, a decisão do PT merece consideração.
A coluna de Josias de Souza em defesa do critério de "eficiência" e a resposta do mesmo jornalista a uma carta a Marta Suplicy provocaram reações, algumas delas registradas no Painel do Leitor. O advogado Fábio Konder Comparato alegou que o tom de críticas do jornalista confirmava a necessidade de se aumentar a participação de mulheres em cargos de direção de qualquer organismo, "sobretudo jornais".
E será que os jornais não deveriam ter mesmo uma política para diversificação de suas redações? Não é plausível assumir que a participação maior de diferentes orientações sexuais, etnias, credos, origens regionais alteraria a maneira como os assuntos são avaliados e as prioridades estabelecidas? Não haveria inclusive uma ampliação das possibilidades mercadológicas de produtos obtidos sob essa nova perspectiva?
Salvo exceções, a mídia brasileira é comandada por homens, de criação católica, de ascendência europeia, oriundos do centro-sul do país. É verdade também que as mulheres vêm conquistando posições nas redações (a Folha tem uma secretária de Redação, uma editora de Política e vários outras mulheres em postos de mando), mas isso é mais resultado de mudanças no perfil da profissão de jornalista nas últimas décadas e do mérito especial dessas profissionais do que de uma ativa política dos próprios veículos.
Não é exagero dizer que as mulheres ainda ascendem nas redações com mais lentidão do que os homens, ou seja, que em condições de igualdade a prioridade é em geral dada aos profissionais do sexo masculino. Quanto aos negros, nem dizer. Assim, é melhor pensar. Quem sabe, dessa vez aquilo que é bom para os EUA não ajude também a melhorar o jornalismo do Brasil.
ALTA E BAIXA
BAIXA para a "Veja", por não noticiar a ruptura de contrato do Banco do Brasil com a Editora Abril, que edita a "Veja", num valor superior a US$ 4 milhões. A Folha publicou, mas com discrição.
ALTA para a mesma "Veja", por pedir desculpas a seus leitores da comunidade japonesa que eventualmente tenham se sentido ofendidos pela reportagem "Sacrifício no Altar" (9 de junho), a respeito do casamento real no Japão. A reportagem afirmava que Masaki Owada, "para cumprir dever", iria casar-se com o príncipe Naruhito, "possivelmente virgem" e que "nunca fez sucesso entre as mulheres". O pedido de desculpas, comum na imprensa de outros países, é raro no Brasil.
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