Historiadora e autora de mais de 47 livros sobre História do Brasil, dá aulas na Pós-Graduação de História da Universidade Salgado de Oliveira. Escrever aos domingos sobre as eleições do passado, desde os tempos do Império até os primeiros anos da República.
No passado, mentira política era lícita e de dois gumes
Em 1733, circulou um panfleto intitulado "A arte da mentira política - Mentir de verdade". Especialistas atribuem o texto satírico a Jonathan Swift. Nele, o autor discorre sobre as mil maneiras de enganar o povo, em teoria, para seu próprio bem.
Desde então, fizemos progressos na velha arte de mentir. Toda semana dela temos provas cômicas ou trágicas, constatando que a mentira exige, desde sempre, regras de refinado cálculo.
Para Swift, a mentira nascia do fato de a alma ter um lado plano, feito por Deus, e outro cilíndrico, feito pelo demônio. O primeiro restituía a imagem das coisas como elas eram. E o cilíndrico, maior do que o primeiro, as deformava. A arte e o sucesso da mentira dependiam dele.
E o que era mentir? "A arte de convencer o povo, fazendo-o crer em falsidades saudáveis para qualquer bom fim". A mentira política era não apenas permitida, mas também lícita. Só que o governo, ou o corpo político, não tinha dela exclusividade.
Isso pois o povo poderia usá-la para combater seus representantes, por meio da invenção de falsos rumores e ataques à sua reputação.
Segundo Swift, haveria diferentes tipos de mentiras: a de "calúnia", que teria por objetivo a difamação; a de "adição", cuja meta seria emprestar ações benéficas a um indivíduo das quais ele não era o autor. E enfim a de "translação", quando se cediam ações a outrem.
A distinção entre a mentira "que serve para apavorar" e a que "anima e encoraja" era necessária. E atenção: mentiras não só deviam parecer verossímeis, mas não podiam se repetir. Melhor variar.
E por que não organizar uma sociedade que reuniria diferentes corpos de mentirosos, espécie de lobby que teria por objetivo divulgar exclusivamente falsas informações? Por fim, a última questão: a verdade não seria a melhor maneira de combater a mentira? Resposta: "A maneira mais apropriada e eficaz de destruir uma mentira é contar outra!"
Como se vê, a mentira na política não ganhou rugas. Mas ela não era para todos. Escrevendo para os jornais, em 1898, o escritor Olavo Bilac cravava: "Para ser político, é preciso antes de tudo ter força de saber mentir e transigir. Diante do eleitorado, que poderia eu dizer? A verdade? Mas o eleitorado, aceso em justa cólera, me correria à pedradas".
O eleitor gostava mesmo era de ouvir mentiras, embora os jornais, segundo Bilac, gostassem de contar verdades. Afinal, para ele, a imprensa era um bem comum, cuja prática tinha que ser transparente.
Mudaram os tempos, mas não as mentiras ou os políticos. Graças aos avanços da imprensa, do rádio, da TV, o político passou de notável a notório. E essa notoriedade conduziu ao contato com o povo, ao corpo a corpo e à promessa –ou mentira– jamais cumprida.
Com os avanços da imprensa escrita e falada, os políticos passaram a mentir diária e incansavelmente aos seus potenciais eleitores. E esses, ao contrário de "corrê-los a pedradas", fingem que acreditam. "Todo o ano, por mais ladrão que ele –político– seja, ele têm de ir pra rua, encarar o povo e pedir votos", ilustrou o ex-presidente Lula em discurso recente.
Frente aos candidatos das eleições, não estamos, infelizmente, diante de nenhuma novidade!
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