Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Presença de Meirelles, Temer e Doria em Davos revela ansiedade eleitoreira

Diante do ocaso das instituições multilaterais, que perderam proeminência desde o apagão diplomático dos EUA, o Fórum Econômico Mundial de Davos, até pouco tempo atrás tido como um mero salão de negócios, vem se tornando um evento eminentemente político.

Na edição do ano passado, Xi Jinping elevou a China ao status de defensora do livre mercado. Agora, Emmanuel Macron pretende posicionar a União Europeia, fortalecida pelo recuo da direita ultranacionalista, como principal liderança do chamado mundo livre.

O Brasil estará representado por três potenciais candidatos à presidência oriundos de três partidos do centro. A julgar pelas encrencas subjacentes às pretensões de Michel Temer, Henrique Meirelles e João Doria, a passagem dos três na estação de inverno suíça tem tudo para terminar num belo espetáculo de cacofonia institucional.

A presença de João Doria na comitiva gera perplexidade. Durante o seu primeiro ano de mandato, o prefeito de São Paulo viu o seu enorme capital eleitoral derreter em razão de uma série de viagens irrelevantes para os interesses da cidade. Ao se lançar na primeira oportunidade do outro lado do Atlântico para participar de um evento no qual as questões urbanas são relegadas a segundo ou terceiro plano, Doria demonstra incapacidade de aprender com os erros do passado.

Temer vai, mais uma vez, constatar seu isolamento diplomático. O governo Macron, por exemplo, orientou os diplomatas a manterem as relações com o presidente no mínimo protocolar. Quem deve ficar nos holofotes é Meirelles, que vai penar para emplacar a narrativa de retomada econômica. A obsessão do governo com os rateios da economia doméstica vai reforçar a impressão entre os interlocutores que a décima economia do mundo abandonou qualquer pretensão de pesar nos principais debates globais.

Num momento em que as ambições eleitorais tendem a contaminar cada vez mais o discurso oficial, a comitiva terá a difícil missão de evitar novos embaraços. Outro pré-candidato do centro, o Presidente da Câmara Rodrigo Maia, ousou uma analogia grotesca entre escravidão e Bolsa Família em Washington, na semana em que os americanos celebram Martin Luther King. Um absurdo se considerarmos que a Índia do governo ultraliberal de Narendra Modi, uma das estrelas de Davos pela sua pujança econômica, está prestes a anunciar um programa de renda mínima abertamente inspirado na política pública brasileira.

Pelo seu histórico, o Bolsa Família é muito mais de que o legado de um governo contestado; é um patrimônio de Estado. Ao denegri-lo para agradar o seu eleitorado mais reacionário, Maia comprometeu a imagem de um poderoso instrumento de soft-power.

Depois de assumir o poder em condições polêmicas, ver-se envolvido em inúmeros escândalos e flertar com o ridículo nos deslocamentos internacionais, o centro corre o risco de arranhar ainda mais a imagem brasileira por causa da sua ansiedade eleitoreira. E confirmar o que muitos pensam: o Brasil nunca esteve tão desprestigiado no mundo desde a era Collor.

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