Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

matias spektor

 

12/03/2012 - 07h00

Chávez, Lula e Fernando Henrique

O mito segundo o qual Fernando Henrique manteve distância de Hugo Chávez enquanto Lula fez dele um bom amigo é apenas isso, um mito.

É o que revelam documentos abertos recentemente.

Na realidade, PT e PSDB seguiram a mesma lógica: se Chávez é perigoso, melhor tê-lo por perto para controlá-lo. Longe e isolado, seu poder de atrapalhar interesses brasileiros é ainda maior.

Assim, em seguida à eleição de Chávez em 1998 Fernando Henrique apostou na aproximação. Encontrou-o cinco vezes em menos de dezoito meses. Juntos, inauguraram uma estrada entre Manaus e Caracas e uma rede elétrica entre Roraima e o território venezuelano. Patrocinaram reuniões periódicas entre seus exércitos, um acordo Petrobrás/PDVSA e regras para facilitar o comércio. O Palácio do Planalto foi além e propôs conversas iniciais da Venezuela com o Mercosul.

Fernando Henrique também procurou aplacar as preocupações americanas. Seus diplomatas disseram à Casa Branca que não viam riscos de uma escalada autoritária na Venezuela porque Chávez era "bem-intencionado, informado e realista". Ao então Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, o governo tucano disse confiar que em Caracas havia "sinceridade de propósitos".

Quando o Secretário de Estado Colin Powell expressou apreensão pela situação na Venezuela, o Brasil pôs panos quentes. Afirmou que Chávez latia, mas não mordia. E sugeriu a leitura de "O general em seu labirinto", romance de Gabriel García Marques sobre o patético fim de Simón Bolívar, herói da independência sul-americana e ídolo do mandatário venezuelano.
Quando o governo americano finalmente apoiou uma tentativa de golpe contra Chávez em 2002, o Planalto de Fernando Henrique reagiu com forte crítica.

Lula seguiu os mesmos passos. Antes mesmo de tomar posse, enviou seu assessor Marco Aurélio Garcia a Caracas para encontros com Chávez e com líderes de oposição. Nas conversas, o enviado adotou a mesma postura do governo que estava chegando ao fim.

Fotomontagem
Chávez conversa ao pé de ouvido de Lula (à esq.) e, na foto ao lado, cumprimenta FHC
Chávez conversa ao pé de ouvido de Lula (à esq.) e, na foto ao lado, cumprimenta FHC

Durante seus oito anos no poder, Lula exasperou-se com Chávez mais de uma vez. Engoliu várias desfeitas venezuelanas com uma atitude tolerante ou um sorriso condescendente.

Acompanhou desconfiado as tentativas chavistas de aumentar a influência na Argentina, na Bolívia e no Equador. E durante todo o tempo buscou manter Chávez vinculado ao Brasil.

Lula e Fernando Henrique adotaram uma posição comum porque compartilhavam as mesmas preocupações. Temiam que uma crise no país vizinho levasse o governo americano a meter o nariz e piorar a situação.

Ambos também queriam resguardar os interesses privados do Brasil, já fosse a carteira de projetos da Odebrecht ou a ambição da indústria nacional de ocupar o espaço que antes pertencera à Colômbia no mercado venezuelano.

Claro que Lula e Fernando Henrique tiveram diferenças em relação a Chávez. Mas elas eram de tom e linguagem, não de orientação. Basta olhar além da superfície para encontrar um grande denominador comum.

Agora que os venezuelanos se preparam para um futuro pós-chavista, a política externa brasileira precisa se adaptar à nova realidade. Se souber desenvolver os instrumentos necessários para fazer valer seus interesses, o país poderá parafrasear o poeta gaúcho Mário Quintana, "Esse Chávez que aí está atravancando meu caminho. Ele passará. O Brasil passarinho".

matias spektor

Matias Spektor ensina relações internacionais na FGV. É autor de 'Kissinger e o Brasil'. Trabalhou para as Nações Unidas antes de completar seu doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Foi pesquisador visitante no Council on Foreign Relations, em Washington, e em King's College, Londres. Escreve às quartas, a cada duas semanas.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página