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matias spektor
Chávez, Lula e Fernando Henrique
O mito segundo o qual Fernando Henrique manteve distância de Hugo Chávez enquanto Lula fez dele um bom amigo é apenas isso, um mito.
É o que revelam documentos abertos recentemente.
Na realidade, PT e PSDB seguiram a mesma lógica: se Chávez é perigoso, melhor tê-lo por perto para controlá-lo. Longe e isolado, seu poder de atrapalhar interesses brasileiros é ainda maior.
Assim, em seguida à eleição de Chávez em 1998 Fernando Henrique apostou na aproximação. Encontrou-o cinco vezes em menos de dezoito meses. Juntos, inauguraram uma estrada entre Manaus e Caracas e uma rede elétrica entre Roraima e o território venezuelano. Patrocinaram reuniões periódicas entre seus exércitos, um acordo Petrobrás/PDVSA e regras para facilitar o comércio. O Palácio do Planalto foi além e propôs conversas iniciais da Venezuela com o Mercosul.
Fernando Henrique também procurou aplacar as preocupações americanas. Seus diplomatas disseram à Casa Branca que não viam riscos de uma escalada autoritária na Venezuela porque Chávez era "bem-intencionado, informado e realista". Ao então Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, o governo tucano disse confiar que em Caracas havia "sinceridade de propósitos".
Quando o Secretário de Estado Colin Powell expressou apreensão pela situação na Venezuela, o Brasil pôs panos quentes. Afirmou que Chávez latia, mas não mordia. E sugeriu a leitura de "O general em seu labirinto", romance de Gabriel García Marques sobre o patético fim de Simón Bolívar, herói da independência sul-americana e ídolo do mandatário venezuelano.
Quando o governo americano finalmente apoiou uma tentativa de golpe contra Chávez em 2002, o Planalto de Fernando Henrique reagiu com forte crítica.
Lula seguiu os mesmos passos. Antes mesmo de tomar posse, enviou seu assessor Marco Aurélio Garcia a Caracas para encontros com Chávez e com líderes de oposição. Nas conversas, o enviado adotou a mesma postura do governo que estava chegando ao fim.
Fotomontagem | ||
Chávez conversa ao pé de ouvido de Lula (à esq.) e, na foto ao lado, cumprimenta FHC |
Durante seus oito anos no poder, Lula exasperou-se com Chávez mais de uma vez. Engoliu várias desfeitas venezuelanas com uma atitude tolerante ou um sorriso condescendente.
Acompanhou desconfiado as tentativas chavistas de aumentar a influência na Argentina, na Bolívia e no Equador. E durante todo o tempo buscou manter Chávez vinculado ao Brasil.
Lula e Fernando Henrique adotaram uma posição comum porque compartilhavam as mesmas preocupações. Temiam que uma crise no país vizinho levasse o governo americano a meter o nariz e piorar a situação.
Ambos também queriam resguardar os interesses privados do Brasil, já fosse a carteira de projetos da Odebrecht ou a ambição da indústria nacional de ocupar o espaço que antes pertencera à Colômbia no mercado venezuelano.
Claro que Lula e Fernando Henrique tiveram diferenças em relação a Chávez. Mas elas eram de tom e linguagem, não de orientação. Basta olhar além da superfície para encontrar um grande denominador comum.
Agora que os venezuelanos se preparam para um futuro pós-chavista, a política externa brasileira precisa se adaptar à nova realidade. Se souber desenvolver os instrumentos necessários para fazer valer seus interesses, o país poderá parafrasear o poeta gaúcho Mário Quintana, "Esse Chávez que aí está atravancando meu caminho. Ele passará. O Brasil passarinho".
Matias Spektor ensina relações internacionais na FGV. É autor de 'Kissinger e o Brasil'. Trabalhou para as Nações Unidas antes de completar seu doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Foi pesquisador visitante no Council on Foreign Relations, em Washington, e em King's College, Londres. Escreve às quartas, a cada duas semanas.
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