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matias spektor

 

03/10/2012 - 03h30

Silêncios

DE SÃO PAULO

A Venezuela vai às urnas neste domingo, e o governo brasileiro aposta no silêncio prudencial.

Não haverá gestão de Dilma junto a Hugo Chávez ou seu opositor, Henrique Capriles, pedindo eleições limpas e pacíficas.

Não haverá aviões da FAB pousando em Caracas com enviados pessoais tais como o chanceler, o ministro da Defesa, os presidentes do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal.

A Unasul enviará observadores eleitorais, mas a presidente não fará discurso contundente para fortalecer-lhes o mandato.

No passado, Fernando Henrique e Lula apelaram ao telefone e a mensageiros pessoais uma e outra vez para lidar com a Venezuela. Não agora.

O silêncio se justifica porque não há grande ameaça a interesses brasileiros. Eventuais surtos de violência e fraude eleitoral não bastam para meter a mão no vespeiro.

Entretanto, é impossível não sentir algum desconforto com essa atitude.

O Brasil tira vantagens extraordinárias de sua relação com a Venezuela.

Isso cria responsabilidades especiais tanto para quem vê no chavismo uma experiência democrática promotora da justiça social quanto para quem nele enxerga uma séria ameaça à democracia.

O silêncio de hoje pode não custar caro aos interesses brasileiros de amanhã. Mas é o melhor que podemos fazer?

*

Semana passada Dilma proferiu na Assembleia-Geral da ONU seu pior discurso de política externa.

Os assessores que redigiram a peça carregaram uma arma com munição pesada e fizeram a presidente atirar nos próprios pés.

No quesito Síria, o texto seguiu à risca a posição americana. Não houve reflexão sobre a nova democracia no Egito e nem menção ao Irã. Nada sobre os efeitos da intervenção do ano passado na Líbia. Nem uma palavra sobre o trabalho brasileiro no Haiti e na Guiné Bissau.

Sem usar o púlpito para oferecer uma visão própria dos principais temas da agenda, perdeu-se a oportunidade de mostrar ao mundo que o Brasil tem algo construtivo a dizer sobre a ordem global.

O discurso também jogou pelo ralo o esforço brasileiro para construir pontes entre as nações: enviesado, denunciou a islamofobia de países ocidentais, mas silenciou sobre os ódios igualmente nefastos que fluem em direção oposta. Assim, desqualificou o Brasil como interlocutor de todos.

Pior ainda foi o trecho sobre a vizinhança. Dilma afagou Cuba, mas calou sobre a principal notícia dos últimos tempos: o inédito e promissor processo de paz entre Colômbia e Farc (com ativa participação cubana). Assim fica impossível obter simpatia sul-americana para as pretensões globais do país.

O momento tragicômico ficou por conta dos valiosos minutos gastos para celebrar a redução dos acidentes de trânsito. Isso mesmo, leitor, acidentes de trânsito.

Dilma ainda justificou o neoprotecionismo. Apenas o nosso, claro, porque o dos outros é ruim.

Vazio de ideias e mal escrito, o discurso provoca impaciência, perplexidade e preguiça.

É um desserviço ao processo de ascensão do Brasil. Não precisava ser assim.

matias spektor

Matias Spektor ensina relações internacionais na FGV. É autor de 'Kissinger e o Brasil'. Trabalhou para as Nações Unidas antes de completar seu doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Foi pesquisador visitante no Council on Foreign Relations, em Washington, e em King's College, Londres. Escreve às quartas, a cada duas semanas.

 

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