É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.
A nova história
Lula desembarcou em Brasília para reagrupar a tropa, numa verdadeira operação-resgate de um governo maniatado pelas contas públicas descontroladas, por rachaduras na base aliada e pela proximidade assustadora entre o pescoço da presidente e a guilhotina do impedimento.
Só o tempo dirá se a manobra vai funcionar, mas seu efeito já se sente. Muito mais do que em qualquer momento dos últimos anos, o mercado político não descarta hoje uma eventual candidatura Lula à Presidência em 2018.
O impacto disso na vida publica brasileira é certeiro: uma corrida renovada por interpretações históricas a respeito do governo Lula, no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2010.
A transformação daqueles anos recentes em história não começou agora. A memória dos anos Lula esteve no centro da disputa das duas últimas eleições presidenciais.
De lá para cá, porém, a crise econômica, as dificuldades de Dilma e as investigações da Lava Jato puseram em xeque as narrativas de campanha dos petistas e de seus opositores.
O passado se abriu à reinterpretação.
A nova disputa pela história tem âncora na academia, como se vê nos trabalhos de Marta Arretche no Cebrap, André Singer na USP e Sérgio Lazzarini no Insper, para não falar das análises em gestação nos principais departamentos de economia do país.
A batalha pelo passado, no entanto, excede os limites da universidade. Ela é marca registrada da geração de economistas que pauta o debate público a respeito das origens da crise atual, como é o caso de Mansueto de Almeida, Samuel Pessôa e Marcos Lisboa.
Agora, o interesse pela história chega aos grandes meios de comunicação.
A revista "Época", por exemplo, adotou uma linha editorial de denúncia ao suposto tráfico de influência internacional que Lula teria exercido em prol da Odebrecht na África e na América Latina.
Ciente de que o embate entre interpretações dominará a conversa pública durante os próximos anos, a revista decidiu franquear o acesso a centenas de telegramas secretos do Itamaraty que seus repórteres encontraram por meio da Lei de Acesso à Informação.
Na prática, isso significa que historiadores profissionais poderão estudar os materiais em detalhe e, se for o caso, questionar o julgamento dos editores responsáveis pela publicação.
Esse processo de estudo renovado sobre a história política da década de 2000 é saudável para o cidadão porque a polarização dos últimos tempos contaminou a sociedade com um sem-fim de ideias falsas a respeito do passado.
Nos próximos anos, a luta para reinterpretá-lo trará doses bem-vindas de transparência.
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