É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.
Informações falsas contaminam debate sobre parlamentarismo
Lula Marques - 15.abr.2006/Folhapress | ||
O Congresso Nacional, em Brasília |
Encurralada, a classe política apresentou uma agenda de reforma para tentar sobreviver ao próximo ciclo eleitoral. Como resultado, reabriu a conversa pública a respeito dos melhores sistemas de governo, dando fôlego ao velho embate entre presidencialismo e parlamentarismo.
Nos últimos dias, o assunto resultou numa verdadeira proliferação de informações falsas ou deturpadas sobre o assunto. Em particular, ganharam tração três mitos.
1) "O parlamentarismo já foi testado no Brasil e fracassou". Os defensores dessa fábula referem-se ao Segundo Reinado e ao governo Jango. Ocorre que, durante o Império, o Brasil estava longe de ser uma democracia. O Conselho de Ministros comia na mão das oligarquias provinciais e do imperador, um chefe de Estado que, sem ser eleito, tinha poder para dissolver a Câmara dos Deputados e nomear o presidente do Conselho a seu bel-prazer. Já na década de 1960, a experiência supostamente parlamentarista foi um truque armado por militares e grupos de interesse para limitar o poder de Jango. O primeiro-ministro não tinha poder para definir a agenda, dissolver o Parlamento ou governar.
2) "Na prática, o presidencialismo de coalizão já funciona como uma forma de parlamentarismo". O Brasil possui um Executivo que, sendo minoritário devido às atuais regras eleitorais, é obrigado a construir uma ampla base aliada no Congresso Nacional. Entretanto, não é o Parlamento que forma o governo. Tampouco é o Parlamento que define a agenda política. Em nosso caso, o Executivo distribui clientelismo, patronagem e oportunidades de corrupção para cooptar a base aliada e esta, por sua vez, faz do presidente seu refém. É um sistema que nada tem de parlamentarista.
3) "No parlamentarismo, congressistas ruins de voto ou até mesmo corruptos poderiam virar chefes de governo". De fato, gente como Eduardo Cunha e Renan Calheiros conseguiria galgar posições de chefia no Congresso Nacional. Mas essa dinâmica é típica do presidencialismo de coalizão, no qual um parlamentar não galga posições devido à eficaz articulação dos interesses e valores de seu eleitorado, mas por causa de sua habilidade na distribuição das prebendas que o Executivo dá à base aliada e devido à sua capacidade de atender as demandas de grupos particularistas. Não se trata de prestar contas ao eleitor. No parlamentarismo, o congressista é obrigado a fazê-lo, pois o eleitor sabe ser dele a decisão de sustentar ou não o governo.
Nada disso significa que o parlamentarismo seria a melhor solução para a crise brasileira. Mas a reprodução de inverdades que contaminam o debate público é o caminho mais certo para garantir que nunca resolveremos o problema.
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