O professor de Harvard e ex-ministro de Planejamento da Venezuela Ricardo Hausmann sugere em artigo nesta Folha uma ação militar contra o regime chavista. Segundo a proposta, a Assembleia Nacional, hoje liderada pela oposição e combatida por Nicolás Maduro, convidaria uma intervenção estrangeira para restaurar a democracia, a partir da criação de um novo governo.
Por três motivos distintos, a proposta é estapafúrdia.
O primeiro diz respeito às alternativas reais de poder.
Durante os últimos 12 meses, Maduro aumentou os componentes autoritários de seu governo com grande êxito. Em que pese o estado da economia venezuelana, o regime goza hoje de hegemonia nas Forças Armadas e nas instituições de Estado.
A oposição está acuada, exilada ou presa, e as próximas eleições tendem a ser manipuladas. Além disso, a oposição está dividida. Não há um governo alternativo pronto para substituir o atual em caso de mudança forçada.
O segundo motivo é geopolítico. Não há chance de uma intervenção ser liderada ou coordenada pelos países da América do Sul.
Ao contrário, a reação deles a uma proposta dessas seria contundente, cerrando fileiras contra o uso da força na sua vizinhança, especialmente se a intervenção não contar com a anuência do Conselho de Segurança da ONU, tal qual propõe Hausmann. Sem apoio regional significativo, qualquer interventor perderia alavancagem política e alienaria sua posição junto aos latino-americanos por uma geração. Não se trata de opção viável para Estados Unidos ou Europa.
O terceiro motivo diz respeito à legalidade e à legitimidade de tal intervenção.
Há precedentes de intervenções militares a convite de governos constituídos –Afeganistão, Iêmen, Iraque etc. No entanto, o embate jurídico no caso venezuelano seria furibundo porque não há consenso de que a Venezuela represente uma ameaça à paz e à segurança internacionais, apesar da miséria humanitária que aflige a população.
Além disso, as primeiras denúncias contra a alta cúpula do governo por supostos crimes contra a humanidade e genocídio apenas chegaram ao Tribunal Penal Internacional em finais de 2017, e o secretário-geral da OEA acaba de criar um painel de investigação. De quebra, a última intervenção militar em favor de um grupo opositor –Líbia, 2011– foi um desastre. Não existe precedente bom.
A Venezuela encontra-se em seu pior momento, mas ir à guerra contra o chavismo no que seria a primeira intervenção na América do Sul no século 21 não é solução.
Há alternativas para lidar com o problema que não trazem o risco embutido de uma aventura militar questionável e de resultado incerto.
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