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maurício stycer

 

13/01/2013 - 03h03

A culpa é do público

DE SÃO PAULO

Na apresentação de "Pé na Cova", série de humor que a Globo exibe a partir do próximo dia 24, o autor Miguel Falabella foi bem didático ao explicar por que, apesar de haver um casal de mulheres entre os protagonistas, o público não corre risco algum de ver um beijo entre elas.

"Não vai ter beijo, a relação delas é muito light. A gente ainda está com uma pena na cabeça e um tacape na mão. É um milagre que a gente tenha computador neste país. Aeroporto nós não temos, o Galeão é uma favela, uma vergonha. Então você acha que vai ter beijo em um país onde as pessoas não sabem ler? Ninguém lê nada, ninguém sabe de nada", disse ao repórter Renato Damião, do UOL.

Com esta declaração singela, Falabella junta-se a um time de autores que, há anos, vem culpando o público pelo que ele deixa de assistir na TV.

Ao explicar por que não tem a intenção de mostrar um beijo entre dois personagens do mesmo sexo em qualquer novela sua, Aguinaldo Silva disse uma vez: "Há telespectador da Globo que nem sabe que homossexualismo existe".

Já Gilberto Braga, falando sobre as críticas ao anódino casal gay da novela "Paraíso Tropical" (2007), observou: "Quem reclamou foi a classe, não o espectador. Imagina se o espectador ia querer ver o casal em cenas de intimidade".

Em 2011, como a Folha noticiou na ocasião, a Globo esclareceu que a decisão sobre o assunto é dela. "Nossas telenovelas não são obras de terceiros. Pertencem à TV Globo, que contrata autores para escrever as suas histórias, com o desafio de levar ao ar a todos os brasileiros. Logo, não se pode falar em censura porque o texto é nosso."

Respondendo a uma reclamação de uma associação de militantes homossexuais sobre a diminuição do destaque dado a uma trama entre dois personagens masculinos na novela "Insensato Coração", a emissora disse: "Nossas tramas registram a afetividade e o preconceito, mas não cabe exaltação".

E, por fim, evocou o público: "A livre sensibilidade artística é a única medida possível para delinear a ousadia criativa, o que vale para toda e qualquer situação ou tema. Esse desafio torna-se ainda mais difícil quando se trata de respeitar uma audiência não-segmentada, múltipla em suas expectativas e preferências."

Assunto igualmente incômodo na Record, o beijo gay apareceu recentemente em uma situação mais difícil de ser controlada do que em novela: num reality show. Como lidar com a troca de afetos de um casal do mesmo sexo dentro de um programa cujo maior atrativo é exibir a "realidade"?

O público que assiste "Fazenda de Verão" pelo site da emissora, onde o reality é exibido 24 horas por dia, logo percebeu que a relação entre as candidatas Angelis e Manoella envolvia beijos, abraços, carinho e algo mais sob o edredom.

O mesmo privilégio não teve quem acompanha o programa apenas pela TV, exibido por uma hora, no final da noite. Nessa versão editada, a Record tem mostrado quase nada, deixando o espectador mais distraído com a impressão de que as duas são apenas boas amigas.

A emissora nega estar censurando o casal, mas, pelo pouco que mostrou até agora, também deve achar que o público está ainda com tacape na mão.

A baixa audiência do programa mostra, no caso, que o espectador segue é com o controle remoto na mão.

maurício stycer

Maurício Stycer é jornalista, repórter e crítico do portal UOL, autor de 'História do Lance!' (Alameda Editora). Escreve aos domingos.

 

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