É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
Escreve aos domingos.
A rede de TV global
O ano começou com o anúncio de que a Netflix, até ontem presente em cerca de 60 países, passou a oferecer o seu serviço de streaming em mais 130. A empresa continua fora da China, onde depende de autorização do governo para entrar, e da Coreia do Norte, Síria e Crimeia, devido a restrições dos Estados Unidos.
Diante de jornalistas que acompanham uma feira de tecnologia em Las Vegas, o CEO da empresa, Reed Hastings, fez uma declaração que ecoou: "Vocês estão testemunhando o nascimento de uma rede de TV global". O anúncio teve o efeito de elevar as ações da empresa em 8%.
Em entrevista ao "Re/code", um site especializado em negócios de tecnologia, Hastings disse que a experiência da Netflix no Brasil orientou a decisão de expansão agressiva tomada agora. "Percebemos que aprendemos mais chegando ao mercado primeiro e aprendendo depois, mesmo que de forma imperfeita".
"O Brasil é o melhor exemplo. Começamos há quatro anos. No início, foi um crescimento muito lento, mas porque estávamos no mercado, falando com os nossos clientes que tinham problemas com o serviço, conseguimos consertar as coisas, e aprendemos mais rápido".
Outro número da Netflix que impressiona é o valor alocado para investimento em conteúdo em 2016. Fala-se em US$ 5 bilhões (ou cerca de R$ 20 bilhões), a serem utilizados para a compra de direitos e a produção dos próprios programas.
Como já sinalizou em 2015, produzindo longas-metragens ("Beast of No Nation", "The Ridiculous Six") e um seriado documental engajado ("Making a Murderer"), o interesse da empresa não se limita a séries de TV e está cada vez mais diversificado.
No esforço de atenuar a pressão de agentes locais de vários países, a Netflix começa a investir em produções internacionais. A cota brasileira vai ser preenchida, em 2016, com a realização de "3%", uma série futurista em sete episódios, com lançamento previsto para o final do ano ou início de 2017.
O mercado brasileiro é peculiar por ser um dos poucos onde o maior produtor local, a Globo, se recusa a licenciar os seus programas para o serviço de streaming americano.
Ao proteger o seu acervo, o grupo brasileiro talvez tenha antecipado uma preocupação que grandes grupos dos Estados Unidos agora expressam mais abertamente: a de que o modelo de negócios da Netflix pode matar a galinha dos ovos de ouro de quem depende de publicidade para fazer televisão.
Como observa o analista Alan Wolk, no livro "Over the Top" (edição do autor, US$ 11,95 na Amazon), a Netflix está treinando uma nova geração a ver televisão sem comerciais. "O que é irônico, uma vez que a maior parte do seu conteúdo consiste em séries de TV cuja existência só foi possível por causa da receita com publicidade", escreve.
A empresa sempre cita o caso de "Breaking Bad" em sua defesa. Ao exibir episódios antigos, ajudou a popularizar a série, beneficiando o canal AMC, que produziu e levou ao ar originalmente o programa.
O fato é que a expansão da Netflix é a grande questão neste início de 2016. O principal alvo é a "velha mídia", o que inclui os canais abertos e as operadoras de TV paga no Brasil. Estas empresas sabem que precisam reagir ao que se anuncia. Só que talvez não tenham os recursos necessários ou não saibam o que fazer.
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