É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
Escreve aos domingos.
Irrelevantes, talks shows ignoram a política e focam o entretenimento
Foi preciso Jimmy Fallon entrevistar Donald Trump na noite de 15 de setembro para os norte-americanos se darem conta de que o formato de talk show, tal como consagrado no país, está em fase agônica.
Foi uma entrevista típica de Fallon. Começou com amenidades, prosseguiu com brincadeiras e culminou, como sempre, com uma gracinha calculada para repercutir nas redes sociais.
"Na próxima vez que eu te encontrar, você pode ser presidente dos Estados Unidos. Queria saber se a gente pode fazer uma coisa que não é nada presidencial", disse Fallon. "Tipo o quê?", perguntou Trump, fingindo desconhecer o teor da proposta, informada a ele previamente.
Fallon pediu para mexer no cabelo sempre encharcado de laquê de Trump. Ele topou, e o comediante, feliz como uma criança, o deixou todo desalinhado.
Andrew Lipovsky/AFP | ||
Jimmy Fallon bagunça o cabelo de Trump em programa que foi ar na noite no dia 15/9 |
Nos dias que se seguiram, Fallon foi alvo de críticas duras, tanto de analistas políticos quanto de colunistas de TV –todos inconformados com a falta de ambição do entrevistador e com o tratamento gentil oferecido ao candidato republicano neste momento crucial da campanha eleitoral.
O ataque mais surpreendente partiu de uma colega de profissão, a comediante Samantha Bee. "Executivos das redes de TV, e boa parte de seu público, podem ignorar o quanto Trump é perigoso porque, para eles, ele não é", disse em seu programa, "Full Frontal" (TBS).
Mesmo quem não concorde com a crítica de Samantha ao político há de reconhecer que ela foi ao ponto ao falar do caminho tomado pelos talk shows: "Ele (Trump) está tornando perigosa, de forma palpável, a vida para muçulmanos e imigrantes, mas, opa, ele é bom entretenimento!".
No único comentário que fez a respeito das críticas, Fallon foi honesto ao observar: "Nunca pego pesado com ninguém".
Com cara e jeito de bom moço, ele é hoje o símbolo maior da transformação dos talk shows. Substituiu Jay Leno no horário nobre da NBC em 2014 e concorre com Stephen Colbert (CBS) e Jimmy Kimmel (ABC). Estes dois têm estilo mais crítico e menos dócil do que Fallon, mas igualmente se renderam à obrigação de promover brincadeiras com seus entrevistados.
Comparada à entrevista de Fallon com Trump, o criticado encontro de Jô Soares com a então presidente Dilma, em 2015, é digno de um prêmio de jornalismo. O apresentador da Globo não foi rigoroso como um jornalista seria, mas tratou de vários temas polêmicos e relevantes na conversa.
Jô é herdeiro da tradição de Johnny Carson, seguida por Leno e David Letterman –comediantes inteligentes, rápidos no gatilho, mas preocupados, além do entretenimento, com a relevância de seus programas
Já Fábio Porchat, que acaba de estrear um talk show na Record, segue fielmente a cartilha de Fallon. Com uma boa equipe de redatores, busca sempre encontrar a gracinha que vista o figurino do entrevistado.
Danilo Gentili, no SBT, faz a mesma coisa, mas sem a simpatia e o estofo do concorrente. Marcelo Adnet, na Globo, cometeu o equívoco de acreditar que seria apresentador de um programa do gênero, quando foi, na verdade, escalado para hospedar um "Vídeo Show" noturno.
Forçado a deixar a bancada na Globo, Jô Soares passará o bastão para Pedro Bial. É uma decisão interessante porque vai na contracorrente. Bial não tem humor nem é afiado como o Gordo, mas está bem mais próximo dele do que de Porchat ou Gentili.
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