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michael kepp

 

26/06/2012 - 03h34

O desapego do amor

Aos 22 anos, viajando pela Europa de carona, fisguei um francês indo para Provença. No carro, ele não falou quase nada por muito tempo, até que apontou para uma mulher num veículo que passou e disse: "É minha esposa. Ela vai para Marselha". Perguntei por que eles estavam indo separadamente a destinos diferentes e ele se abriu.

Alguns meses antes, sua mulher tinha conhecido um homem de Marselha. Ela queria vê-lo para dar uma chance a algo que talvez fosse amor. Ele pediu para que ela adiasse o encontro e desse uma segunda chance ao casamento deles. Depois de muito hesitar, ela concordou. Por um mês, passaram fins de semana preparando seus pratos favoritos, fazendo amor, revendo a relação. Mas aquilo que não existia mais nela, não voltou.

Terminado o mês, ela ainda queria ver o homem de Marselha. Em vez de tentar dissuadi-la novamente, ele se resignou. No dia em que ela foi embora, ele foi visitar um amigo na Provença. "Nesse último mês nós dois estávamos infelizes", falou. "Agora pelo menos ela está feliz."

Esse desapego amoroso me lembra de "Famous Blue Raincoat", de 1971, o autobiográfico hino de Leonard Cohen ao amor. Na canção, escrita na forma de uma carta a um velho amigo que vira amante de sua mulher, Cohen perdoa a traição dupla, olhando no espelho, depois que ela voltou. Ele canta: "Agradeço pela angústia que você afastou dos olhos dela/ Eu pensava que estivesse lá para sempre/ Por isso nunca tentei."

Não há uma definição do amor romântico que agrade a todos. Para os pragmáticos, o amor é algo que inventamos para satisfazer uma necessidade. Para os céticos, é uma surpresa! Para quem sempre escolhe a pessoa errada, amar é sofrer. Para os obcecados, significa estreitar seu foco sobre um único objeto de desejo. Para as pessoas de pensamento estratégico, amar significa priorizar o bem-estar do(da) amado(a), porque a felicidade dele(a) aumenta a sua própria.

Mas o francês optou por arriscar perder sua mulher em favor da felicidade dela, não da dele. E Cohen perdoou a dupla traição porque ela levava ao bem-estar de sua mulher. Os dois maridos desejavam a felicidade de suas amadas mais que a deles mesmos. Se "o amor libera o amado" é mais uma definição clichê do amor, essa é a minha.

michael kepp

Michael Kepp, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Ed. Record). Mantém o site www.michaelkepp.com.br. Escreve às terças, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Equilíbrio".

 

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