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michael kepp

 

21/08/2012 - 03h30

A coerência dos cubículos

Num mundo em que a maioria das pessoas procura mais espaço e luz, eu prefiro menos, muito menos. Talvez exista em mim algo de pré-histórico que busca caverninhas para eu me abrigar; talvez eu anseie retornar ao útero; ou, quem sabe, eu tenha sido um urso numa encarnação passada.

Quando eu era criança, a parte inferior de minha beliche era uma toca que me acolhia à noite. Aos 25 anos, passei meses cruzando os EUA numa Brasília para conhecer meu país. Quando anoitecia, eu entocava numa floresta e baixava o encosto do banco traseiro, que virava uma cama. Me enfiava no meu casulo, um saco de dormir, e acendia uma vela para criar um clima caseiro.

Até os 30 anos, meus casulos foram quitinetes de 30 m², separados por cortinas em dois cubículos. Em meu apartamento pequeno e escuro de térreo, que alguns amigos chamam de "a batcaverna", eu me enclausuro no quarto de empregada, um bunker aconchegante onde leio e vejo televisão.

Interiores amplos me intimidam. Prefiro capelas a catedrais, inferninhos a salas de concerto, pousadinhas (que me acolhem) a grandes hotéis (cujos amplos saguões me anunciam) e o pequeno Musée de l'Orangerie ao Louvre. Salões espaçosos e ensolarados me deixam exposto e desprotegido. Se eu quisesse me sentir no ar livre, sairia!

Eu me identifico com o poeta e ensaísta Joseph Brodsky, que, quando criança, viveu com seus pais em Leningrado num cômodo e meio que media 40 m². Dizia que seu meio-cômodo eram "os melhores dez metros quadrados que já conheci". "Não é a ampliação do espaço, mas sua redução que é sempre mais coerente", ele escreveu. "É mais bem estruturado e tem mais nomes: cela, armário, túmulo. Os grandes espaços só têm amplitude de gesto."

As grandes avenidas simétricas de Paris são gestos amplos. As ruelas sinuosas de Roma são gestos mais contidos. Da janela de um avião, a cidade lembra um cérebro cujas fendas e dobras de pedra compartimentam o espaço e ocultam tesouros antigos.

Até que você vira uma esquina e tem à sua frente... o Panteão. A única luz é a que entra pelo óculo, a abertura circular da cúpula. Isso torna a rotunda --em cujo interior estão sepultados reis e célebres pintores renascentistas-- fresca, escurinha e aconchegante. Afinal, um lugar coerente para descansar.

michael kepp

Michael Kepp, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Ed. Record). Mantém o site www.michaelkepp.com.br. Escreve às terças, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Equilíbrio".

 

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