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michael kepp

 

11/12/2012 - 03h30

Criadores e criações

No ano passado, quando liguei para uma pousada no cerrado mineiro perguntando sobre preços e disse que o meu nome era Michael, a dona perguntou: "Você por acaso é o Michael Kepp?".

Espantado, indaguei: "Como você sabe?". Ela me explicou que eu tinha sotaque de gringo e o mesmo nome do autor do livro que ela acabara de comprar para o seu marido, também ele americano.

Quando liguei de volta informando que tinha escolhido outra pousada no mesmo povoado (cujos colchões de mola confortariam minha coluna torta), a mulher entendeu. Mas me pediu que os visitasse, para que o seu marido conhecesse um conterrâneo cujo livro havia adorado.

Talvez ela pensasse que ele também me adoraria --uma ideia baseada na suposição de que é possível conhecer um escritor por sua obra. É uma suposição falsa, mas não era motivo para recusar um convite. Afinal, quase nunca há estranhos querendo me conhecer, nem no Facebook.

Quando cheguei à pousada no dia marcado, um fã-clube de duas pessoas saiu correndo porta afora, gritando meu nome. Depois de a dona levar minha mulher para conhecer a casa, o marido dela e eu trocamos observações sobre nosso país adotivo. Mas, quanto mais conversávamos, mais seu entusiasmo diminuía. "Você é mais sério do que eu imaginava", ele falou, parecendo decepcionado. Então abreviamos o bate-papo.

Talvez ele esperasse que eu fosse mais engraçado, com base em minhas crônicas confessionais, que usam humor autodepreciativo. Mas essas crônicas revelam muito menos sobre mim, comparadas aos meus ensaios contemplativos, que expõem meu lado sério.

Ou talvez ele não tenha entendido que não existe necessariamente homogeneidade entre a voz e a sensibilidade de um escritor e sua voz e sua índole como pessoa. Podem ser dois sons e sensibilidades distintos, até mesmo dissonantes. Ou, nas palavras do poeta americano T.S. Eliot [1888-1965]: "A poesia não é a expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade".

O escritor Luis Fernando Veríssimo, que pode ser hilariante no papel, disse que, em pessoa, sua timidez surpreende quem espera encontrar nele um "showman" verbal divertido.

É algo que eu entendo. Para ser engraçado, um escritor precisa escolher as palavras com cuidado, com base em seu peso cômico. Essa exigência criativa não existe num bate-papo onde não há a pressão de ter que entreter o outro.

michael kepp

Michael Kepp, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Ed. Record). Mantém o site www.michaelkepp.com.br. Escreve às terças, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Equilíbrio".

 

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