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michel laub

 

26/04/2013 - 03h00

Fazer 40 anos é

- Tentar não confundir minha decadência com a decadência do mundo.

- Me aborrecer mais com as pequenas coisas e menos com as graves.

- Ter uma ideia razoável do que não vai me matar. Todo o resto, incluindo o vasto reino das doenças, é uma possibilidade fascinante.

- Aceitar que entre os defeitos dos amigos podem estar a burrice e a falta de caráter.

- Confessar os defeitos confessáveis. Os demais, deixar que os outros descubram.

- Aprender que é impossível não magoar pessoas queridas, momentaneamente ou para sempre, com ou sem razão.

- Antecipar duas diversões da velhice: falar sozinho em casa e ser rabugento em público.

- Entrar num acordo com a inconfiabilidade da memória, incluindo suas manipulações egocêntricas.

- Entrar num acordo conformado com a própria capacidade de concentração.

- Beber mais destilados e menos fermentados. Não fumar e não cheirar cocaína. Ser tolerante com o comportamento noturno das pessoas.

- Comer menos, dormir menos, sair menos de casa para fazer o que não quero.

- Uma vida toda envenenada por futebol.

- Viajar sem máquina fotográfica. Conhecer dezenas de países e não ser capaz de dizer nada que preste sobre a maioria deles.

- Em cidades estranhas, dar um jeito de ir várias vezes ao mesmo restaurante, de preferência um lugar barato, vazio, mediano e próximo ao hotel.

- Não negar o passado: bandas ruins de que gostava, votos ruins em eleição, coisas ruins que escrevi em livros e na imprensa.

- Ter um número razoável de parentes e amigos mortos.

- Ler cada vez mais não ficção. Em ficção, simpatizar com romances longos, difíceis, eventualmente chatos (pode ser uma qualidade).

- Sentar cedo em frente ao computador. Procrastinar o trabalho até o limite da catatonia.

- Sem chance de virar "motorista consciente" a esta altura.

- Não ver novela. Não elogiar publicidade. Não defender políticos.

- Não fazer crítica fácil a religião, artes plásticas contemporâneas, hipsterismo, Big Brother, ONG ecológica.

- Não endossar discurso anti-intelectual nem atacar o "mundinho literário" só porque soa bem para quem nem sabe o que é isso.

- Por outro lado, cultivar a maledicência, uma das maiores bênçãos humanas.

- Em hipótese alguma, questão de honra mesmo, flertar com a ideia de que sou pouco reconhecido porque minha integridade ofende o universo hipócrita.

- Por outro lado, não ser ingênuo quanto ao conceito de meritocracia.

- Para o bem e para o mal, gostar mais de pessoas que de ideias.

- Sonhar frequentemente com coisas que acabaram há mais de 20 anos: colégio, exército, partidas de tênis, a casa onde cresci.

- Últimos anos de paciência com indignação profissional, vitimismo, explicações psicanalíticas, pensamento acadêmico, comparações entre Porto Alegre e São Paulo.

- Não achar que o pessimismo é moralmente superior ao otimismo.

- Não esquecer que tecnologia é instrumento em 90% dos casos e que dá para se adaptar a ela no que importa.

- Espionar os outros nas redes sociais.

- Ser pontual e, portanto, um idiota.

- No sábado, 27/4, é meu aniversário. Talvez o ápice da vida seja agora. Ou será em breve. O mais provável é que já tenha sido.

- Saber da pretensão que é reproduzir voz de sabedoria numa idade dessas.

- Nunca mais encerrar uma lista fazendo referência à própria lista.

- Lamentar pelo resto dos tempos não ter aprendido alemão quando criança, ser alérgico a gatos, o fim dos fliperamas Taito, a venda do centroavante Lima em 1988.

- Ter consciência de que sem mentir um pouco não dá nem para abrir os olhos de manhã.

- Viver como se houvesse muito mais escolhas do que há.

- Pensar se vou ou não ter filhos.

- Seguir comendo carne vermelha.

michel laub

Michel Laub é escritor e jornalista. Publicou cinco romances, entre eles 'Diário da Queda' (Companhia das Letras, 2011). Escreve a cada duas semanas, sempre às sextas-feiras.

 

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