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O jornalista Nelson de Sá cobre mídia e cultura na Folha. Escreve de segunda a sexta.
Você está sendo vendido
"Se você não está pagando pelo produto, você é o produto que está sendo vendido."
Andrew Sullivan, ao anunciar que seu blog terá acesso pago a partir de fevereiro.
Os jornais americanos fecharam 2012 com uma boa notícia. O consultor e blogueiro Alan Mutter levantou que, na média, as ações dos jornais subiram 20,8% no ano, contra 13,4% do índice S&P 500, das maiores empresas do país.
O grande motor da mudança no humor dos investidores foi o êxito do "metered paywall" --o muro de pagamento poroso, como se denominou no Brasil-- implantado no "New York Times" em 2011 e que encerrou 2012 com cerca de 600 mil assinantes.
Até então o modelo só era usado pelo "Financial Times". E se acreditava que a cobrança on-line seria bem-sucedida apenas em jornais de interesse específico, como os econômicos "FT" e "Wall Street Journal".
Não mais. No último ano, o paywall poroso se tornou padrão para as publicações americanas. Até os resistentes "Washington Post", "Atlantic" e Daily Beast anunciaram, em dezembro, que vão apostar no caminho do acesso pago em 2013.
Mas o movimento mais significativo veio dia 2 de janeiro, com a "declaração de independência" de Andrew Sullivan, dizendo que passaria a cobrar pelo acesso ao blog The Dish, num modelo também semelhante ao do "NYT" e do "FT".
Permitirá acesso gratuito a determinado número de textos longos por mês, até o leitor bater no muro de pagamento; textos curtos seguirão abertos; e links de blogs e redes sociais terão acesso gratuito pleno, para quaisquer textos.
O anúncio do pioneiro e quase lendário Sullivan, que há 12 anos é referência em blog político nos Estados Unidos, tanto à esquerda como à direita, deixou atônitos os chamados evangelistas do jornalismo grátis na internet.
Estes ecoam há décadas que "a informação quer ser free", livre e gratuita, na frase de Steward Brand --célebre por, entre outras coisas, ter ajudado na "mãe de todas as demos", que apresentou em 1968 invenções como o hipertexto.
Sullivan se permite discordar. Recorreu a outra frase, mais recente, de 2010, postada por Andrew Lewis no blog comunitário MetaFilter: "Se você não está pagando pelo produto, você não é o cliente; é o produto que está sendo vendido."
Mais precisamente, ao abraçar a cobrança e se colocar ao lado de "NYT", "FT" e outros títulos tradicionais do jornalismo, o blogueiro identifica e passa a combater novos e maiores vilões, as gigantes de internet e tecnologia.
Junto com a opção por cobrar, The Dish abandonou de vez a publicidade. "Foi a decisão mais difícil", diz em seu manifesto, justificando com a resistência dos leitores aos anúncios, o tempo que estes tomam para compor a página e:
"Estamos perplexos com o quanto a publicidade on-line é cada vez mais dominada por grandes empresas. Estamos também atentos ao fato de a publicidade on-line ter criado incentivos à busca de pageviews em vez de qualidade."
Sullivan se refere indiretamente ao Google e ao Facebook, quando fala de publicidade, mas é mais direto quando diz por que escolheu a recém-formada TinyPass para desenvolver seus modelos de cobrança no site e em aparelhos móveis:
"Eles permitem a qualquer site --de uma loja familiar a um jovem jornal-- obter recursos dos leitores de forma fácil e simples. Nada de fatia gigante para a Amazon vender, nada de 30% para a Apple: só um sistema simples de cobrança."
A missão expressa da própria TinyPass é citada na declaração de independência: "Neste novo mundo digital, deveria haver mais de uma livraria, mais de uma loja de discos, mais de uma loja de vídeos". E mais de uma banca de jornais.
PS - Saio de férias. Volto a escrever neste espaço depois do Carnaval.
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