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O jornalista Nelson de Sá cobre mídia e cultura na Folha. Escreve de segunda a sexta.
Chapa-branca lá
SÃO PAULO - Na manchete de papel do "New York Times" de ontem: "Bradley Manning é absolvido de ajudar inimigo". Mas não era essa a notícia, na verdade. Na manchete do "Guardian", aí sim: "Pouco consolo para Manning, no momento em que corte militar sela seu futuro.
Afinal, Manning foi absolvido de uma acusação, mas condenado por outras que podem somar mais de 130 anos de cadeia.
Como acabou explicando o ex-editor-chefe do "NYT", Bill Keller, se fosse seguida a lógica da primeira acusação, "qualquer publicação que deixe os EUA com imagem ruim levanta moral na Al Qaeda e, portanto, ajuda o inimigo". E "é por isso que as organizações jornalísticas acompanharam a acusação com particular pressentimento".
Ou seja, por "qualquer publicação", por "organizações jornalísticas", entenda-se o próprio "NYT". Daí o enunciado da manchete, tão preocupado consigo mesmo, não com Manning ou o WikiLeaks --que poderiam queimar no inferno, no que concerne Keller.
Vale lembrar, sobre o ex-editor-chefe, hoje colunista, que Keller vendeu para Hollywood os direitos de um artigo que escreveu para a revista do "NYT", sobre WikiLeaks e Manning. É um dos muitos filmes que vêm aí, nos EUA, com os "whistle-blowers" e editores como Julian Assange tornados vilões.
Ao longo dos últimos meses, a cobertura do julgamento de Manning por "NYT" e outros se revelou uma "vergonha", descreveu Jeremy Scahill, da "Nation".
Mas não é de agora que o principal jornal americano e mundial erra de avaliação, ao tratar de vazamentos sobre o governo americano --o atual e o anterior. Edward Snowden, o "whistle-blower" que se seguiu a Manning, já havia dito que foi ao "Guardian" e ao "Washington Post" por não confiar no jornal de Keller e outros.
*
Imediatamente depois da condenação de Manning, Snowden e a Rússia destravaram a negociação sobre concessão de asilo temporário. Ele deixou o aeroporto com Sarah Harrison, do WikiLeaks, que soltou comunicado com aspas do próprio Snowden, questionando Obama por desrespeitar leis internacionais.
Mas a ação de Obama não para nas leis. Avança sobre o Congresso americano, a ponto de inviabilizar depoimento de Glenn Greenwald _do "Guardian", que concentra as revelações de Snowden, inclusive o novo programa da NSA que espiona a Rússia, entre muitos outros.
Mas não, para a manchete on-line do "NYT", neste momento, ao conceder asilo o problema é que a Rússia "desafia os EUA". E para o editorialista-chefe do jornal, Andrew Rosenthal, em texto recém-postado, Snowden "não merece asilo" porque não está enfrentando "perseguição política" e sim um processo por crime.
Não é uma boa semana para o governismo do "NYT", que neste e noutros casos serve de símbolo do jornalismo americano. Já havia começado mal no fim de semana, quando o jornal aceitou entrevista exclusiva
com Obama, a primeira em quase três anos, e não levantou uma única pergunta sobre NSA, Snowden, Manning.
Como escreveu Andrew Beaujon, do site Poynter, o "NYT" demonstrou "uma leniência sobre-humana ao não questionar Obama" sobre, por exemplo, a perseguição que seu governo move contra o jornalista James Risen, por revelar informação obtidas via "whistle-blower". Risen é um repórter do próprio "NYT".
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