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nina horta

 

27/06/2012 - 03h30

A vocação de Andoni Luis

DE SÃO PAULO

Já o vi várias vezes, já o entrevistei, comi da comida dele. Andoni Luis Aduriz, do restaurante Mugaritz, fez por aqui mais do que uma só visita, cozinhando muito bem. Da primeira vez era ainda magrelo, hoje um rapagão seguro, aquele que pega um tomate maduro e fica "pensando" o tomate.

Pensa na casca, na polpa, na semente, o caldo cru, cozido, o cheiro quando pisado na horta, a folha, a cor, desde o verde até o vermelho, e, enquanto o tomate não pisca para ele, não dá por encerrada sua meditação. E daí parte para a salsinha.

Adoro seu bacalhau cozido no azeite, fogo baixo, nada se desmancha, o gosto do peixe é inteiro. E para terem uma ideia melhor de quem é ele, está classificado em terceiro lugar na lista da revista britânica "Restaurant", onde o nosso Alex Atala está em quarto. E seu carro-chefe no menu é um filé de pescada com batatas.

Mas, não se enganem. Tem lá muitas ousadias acumuladas na cachola. Quando deu aula aqui, a sobremesa foi o "de dentro da maçã", sabe o miolo com as sementes?
Pois era aquela a sobremesa do dia, com cabinho e tudo.

Lançou um livro daqueles que a Amazon põe em pré-venda, você compra e fica esperando ser editado e demora um tempão, dá até para esquecer que encomendou e daí encomenda de novo e, quando chegam os dois, dá vontade de bater a cabeça na parede. Chama-se "Mugaritz: A Natural Science of Cooking", de Andoni Luis Anduriz.

Para variar, é um livro de mesa, grandão, o que sempre me incomoda um pouco. É de mesa só na aparência, tem muito texto interessante que é preciso ler e fica difícil ler na cama. Pode quebrar seu nariz.

Bem, comprou umas ruínas em San Sebastian para fazer seu restaurante e, em 1998, abriu as portas. Como não tinha clientes, ficava olhando pela janela: o bosque, a floresta, as montanhas.

Foi introjetando a paisagem maior e, depois, pedaços dela. Começou a andar e a conhecer o chão e as ervas dali. Arrancava, cheirava, comia, enfiava-se nos livros de botânica.
Em vez de usar tintas como Constable, o pintor da mesma paisagem natal, ele usa o fogo (ou não) e a transformação dos ingredientes.

Sente sempre dentro de si a capacidade da mente humana de se transformar naquilo que vê na natureza e, mais tarde, agradeceu aos deuses tanto tempo sem clientes para observar e filtrar suas observações, criando um estilo próprio.

As paisagens de Constable são cheias de sons. Aves, folhas mexendo ao vento, sensações auditivas, visuais, físicas, emocionais. É essa a vocação de Andoni.

Sua comida começou a ser chamada de exótica, pois nem seus clientes que viviam por perto conheciam os ingredientes que ele usava e que começou a pedir a pequenos fornecedores, incitando-os a plantar muita coisa que antes era considerada medicinal.

E o próprio Andoni resume o Mugaritz. "Nada mais é do que nossa interpretação da paisagem, o filtro adquirido e influenciado pela cultura através do qual nós a observamos e tentamos recriá-la, o lugar onde estamos e sonhamos, onde nos afligimos e nos emocionamos."

nina horta

Nina Horta é escritora, blogueira e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos. Escreve às quartas-feira.

 

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