Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

nina horta

 

11/07/2012 - 08h00

Quando a comida vira fetiche

O livro que eu encomendei é "Food Media - Chefs-celebridades e a Interferência Diária", de Signe Rousseau.

Logo no começo havia uma pergunta do Anthony Bourdain. "Uma profissão (a de cozinheiro), que sempre atraiu desajustados através da história... As pessoas que não podiam, ou não queriam se alinhar no mundo, acabavam sendo bem-vindos nos restaurantes...

E nós que entrávamos nesse ofício era por não sabermos nos comunicar bem, por termos hábitos desagradáveis, por não conseguirmos uma convivência ideal com o outro... O que aconteceu que, de repente, todos temos um programa de comida na TV?"

O próprio Bourdain responde que a comida é a nova pornografia. Assistimos a coisas que provavelmente não vamos fazer tão cedo.

O que a mídia está nos mostrando, num nível mais superficial, é a voracidade insaciável do consumidor em relação à comida. Todas as mídias. Quando entrei no Facebook, não acreditei que fotografassem o ovo frito que haviam comido há 15 minutos.

Já me acostumei, mal posso esperar para ver a batatinha frita que meu "facefriend" comeu no boteco da esquina.

Mas as coisas se tornam mais complicadas ao ver a grande variedade de assuntos dirigidos a consumidores muito diferentes. Os iniciantes que querem saber fazer um chá, os bons cozinheiros que querem absorver técnicas novas, os que gostam de reality shows de comida, os ativistas orgânicos, sustentáveis, enfim, de tudo um pouco.

A autora desse livro tem uma preocupação. Desde quando a comida passou a ser policiada? Quem quer que toda essa gente interfira no que comemos? Será possível que a cada garfada que eu dê vou me sentir culpada diante do Zeca Camargo, do "Fantástico"?

As celebridades ainda não mandam completamente em nós. Não são capazes de trazer mudanças estruturais, mas, dia a dia influenciam mais.

Onde está nossa capacidade de escolha e de responsabilidade? Está sendo passada adiante para o chef de TV? O crítico de jornal, o cronista gastronômico? Afinal não estão ensinando a pintar os cílios nem a fazer tricô.

Ser autoridade em comida é ter autoridade sobre a vida. As pessoas e os produtos anunciados só nos influenciam porque nós não somos autoridades nesse campo. Precisamos ser ajudados numa coisa tão básica? Sempre acho que aí tem coisa. É muita gente querendo ajudar.

O prazer na comida tem sido espezinhado por todas essas novidades e velharias que nos ensinam. Já nem tenho mais vontade de ir a um restaurante, de tanto que vou pecar. Enjoei de comer. Mas ainda assisto aos programas, pode?

É tanto livro, tanta indicação, tanto restaurante novo, tanto chef brilhante que vamos chegando à conclusão que não sabemos comer por nós próprios. E a comida vai se transformando num fetiche.

O fetiche concentra a nossa atenção num objeto específico, excluindo o que vai por trás dele. A nossa atenção estaca ali e não vai adiante, para problemas maiores. É como fetichistas que temos sagrado nossos chefs como superstars, num mundo confuso onde mandam e desmandam.

Tem mais, conto nos próximos. Agora vou assistir a Nigella lambona.

nina horta

Nina Horta é escritora, blogueira e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos. Escreve às quartas-feira.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página