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nina horta

 

18/07/2012 - 06h48

No mundo dos comedores ansiosos

Na última crônica comentamos alguns trechos do livro "Food Media - Chefs-Celebridade e a Interferência diária". De Signe Rousseau. Mas uma pequena crônica não pode esgotar um assunto tão importante como a relação entre mídia e comida.

O estranho é não nos darmos conta do fenômeno. Ou não estranharmos o que está acontecendo. Veio devagarzinho e, quando vimos, havia tomado conta de nossas vidas.

Na segunda-feira - dia 9 - o programa "Roda Viva" entrevistava um cientista sobre os perigos da comida. Se o homem não fosse muito equilibrado, teria saído correndo da cadeira giratória antes que fosse acusado de "serial killer".

Um bando de perguntadores adultos morrendo de medo... do ovo! E ele na maior saia justa. Respondia baixinho, torcendo as mãos.

"É ignorância, é ignorância"... "Ignorância de quem?", perguntavam. "Dos que comem ou dos cientistas?" Ele enrolava uma fala explicando que era ignorância de nós todos, dos cientistas, dos comedores. Eram as pressões do dinheiro, o poder das grandes empresas sobre o governo. Coisas dificílimas de falar e ele falou sem estardalhaço, mas falou.

No Brasil, não somos tão atacados pela nossa mídia por termos menos espectadores, menos leitores, menos dinheiro, menos comida. Não temos tantos livros nacionais sobre o assunto, tantos, tantos ídolos.

Tudo bem. Pode ser que essa mania de comida seja uma coisa inofensiva, simplesmente um programa divertido, inspirador, engraçado.

A comida-ficção é para entreter, mexer com a imaginação e dar prazer aos interessados em comida. (Melhor do que aquele tipo de programa da nutricionista com cara de fuinha e que tem um mapa com grande variedade de formatos de fezes. "Você é o que você come", que pode ser colocado na lista de programas de horror.)

O único perigo é que fica muito fácil acreditar em tudo que nos dizem. Como viver, como comer... E quem está nos ditando a regra também não sabe muito bem o que diz.

Digamos que o trabalho do chef-celebridade é positivo. Reeducou todo um segmento de gorduchos ou mudou a merenda escolar. Mas por que é o chef de cozinha ou a celebridade que tomou a si essa função na sociedade? Difícil a resposta.

Qual a autoridade no mundo dos comedores ansiosos? Queremos transferir para o outro a nossa responsabilidade. Podem continuar os programas, podemos aprender com eles e nos divertir. Mas podemos, também sozinhos, pensar nos quilos a mais ou a menos. Ficarmos quietos por um segundo e pensar.

Pelo menos poderíamos começar uma conversa sobre nossa capacidade de pensamento crítico, mais e mais necessário nesta época de excesso de informação.

Pontos de interrogação sobre a nossa capacidade de viver num mundo "arriscado", no meio dessa ansiedade coletiva em relação à comida. Um pensamento a mais sobre autoridade e suas limitações.

Se o [Alex] Atala faz uma comida deliciosa, isso não o torna um super-homem que pode ditar o que e quando comemos, mas simplesmente faz dele um ótimo chef. Seria o bastante. Acho eu, mas sabe-se lá.

nina horta

Nina Horta é escritora, blogueira e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos. Escreve às quartas-feira.

 

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