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nina horta

 

01/08/2012 - 06h15

Uma tradição de Hong Kong

Nem gosto muito de histórias de comida, sempre acho tudo muito, muito antigo, meio mentira, mas, vamos lá. Estamos na fase chinesa, leitores, lembrem-se.

Nos Novos Territórios de Hong Kong, principalmente nos rurais, há grupos que comem da mesma comida, uma tradição própria de que se orgulham. Uma delas é servir o poonchoi para celebrar casamentos, nascimentos, festas religiosas.

E o que é o poonchoi? Uma refeição em que não há necessidade de mesa, nem de cadeiras, nem de pratos. As pessoas ficam de cócoras à volta de uma bacia de comida posta no chão e comem ali mesmo com seus hashis.

O ritual é o seguinte. Uma pessoa nomeada faz as compras, contrata ajudantes e cozinha. Compra barriga de porco, feijão, lulas e enguias secas. Comida de todo dia, fácil de achar e barata. Tempera bem e depois de cozinhar cada ingrediente coloca em recipientes diferentes.

Só na horinha de comer é que a comida é posta em camadas nas bacias. As mais baratas no fundo e as mais caras por cima. Imediatamente são mandadas para os grupos de oito a dez pessoas acompanhadas por arroz cozido no vapor.

Os convidados começam a comer, procurando as coisas de que mais gostam. Os convidados, tradicionalmente, eram homens de mais de 61 anos, para reforçar a ideia da maior importância masculina e da marginalidade das mulheres.

Depois de 1980, deu-se permissão a quem quisesse se reunir em torno da bacia - a reinvenção da tradição numa sociedade em mudança.

Interessante que não juntam à comida carne bovina, por gratidão aos bois que ajudam nas plantações, e nem pato, por terem bicos chatos dando impressão de tristeza, e nada de tristeza numa ocasião alegre.

Mas o poonchi, comida de roça, foi se transformando e ficou muito popular principalmente depois de 1980, quando apareceu em filme de um ator famoso. O filme abriu o apetite do pessoal da cidade que queria comer a comida rural. Daí para aparecerem restaurantes e bufês de poonchoi foi um passo.

E o poonchoi foi mudando de cara. Leva abalone seco, cogumelos secos, barbatanas de tubarão, "bêche de mer", que são importados de lugares como Austrália, Viet-nã, Coreia, México, Chile. Os ingredientes não são mais locais ou baratos.

É uma receita global, com coisas exóticas, no melhor estilo fusion, satisfazendo os desejos do cliente e representando mudança, adaptação e inclusão. É a metrópole civilizada, a representação de uma sociedade evoluída. Comercializou-se, perdeu o caráter étnico. E daí?

O poonchoi absorve num só prato (bacia) vários ingredientes, baratos ou caros. Tem gosto de exótico e de familiar. Comer de uma mesma panela permite que os amigos e membros da família reafirmem seus laços íntimos e sociais.

Hong Kong fabricou para si própria uma tradição nova no contexto urbano. E aqui? Uma galinhada mineira, por exemplo? Não é de bacia, mas arroz, galinha, quiabo, angu, bem que poderiam e podem estar no mesmo prato comido pela mesma tribo, não? E quem quiser interpretar, que fique à vontade.

nina horta

Nina Horta é escritora, blogueira e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos. Escreve às quartas-feira.

 

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