É escritora e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos.
Escreve às quartas-feiras.
Nem só de pão vive o homem e aparecem os livros
Tem dia que não é só de cozinha, é de tudo, e as coisas se embaralham e ocorrem contra sua vontade. E, então, é impossível fazer uma crônica nos moldes costumeiros. Para começar, ganho jabuticabas de uma amiga. Fico maravilhada com minha insuspeita eficiência. Semideitada, com o prato na barriga, a TV ligada, como.
Com um leve roçar de dedos, cega, sei a que está levemente passada, percebo a falta de tensão na superfície. Outras muito lisas, quase estalam. Há pequeninas com um verde fio, muito fino. Um ou outro cabinho fortemente grudado, e é só segurá-lo com os dedos e puxar a fruta para a boca.
Sei tudo de comer jabuticaba, como um bicho, uma louca, uma profetisa. Como se houvesse passado a vida na labuta. Comer jabuticaba, é claro, está no meu sangue. Antiquíssimo saber.
E por falar nisso, fui convidada para uma festa, um almoço, (Sibaris apresenta o Giro Sibarita ) de antiquíssimo saber. Era um encontro de fornecedores de ingredientes e produtos orgânicos, sustentáveis e maravilhosamente bem feitos. Aos poucos quero desvendar com vocês cada um, visitá-los, se possível.
Fui sem saber exatamente o que era e não pararam de me surpreender. Visitei em espírito "terroirs" jamais suspeitados: de ostras, de cervejas, de tucupis pretos, meles nativos, presunto cru, café, cachaça, doce de leite, pirarucus, arrozes, azeites...
Divulgação | ||
Ostras frescas de Cananeia, litoral de SP |
Como eu disse acima, antiquíssimos saberes que não usamos por... falta de educação alimentar, imagino. Pequenos milagres que só se repetem com o olhar fixo na perfeição.
Ah, se vissem o acém de carne wagyu que nos serviram, macio como um bebê, rosada por dentro, marmorizada por inteiro.
Claro que esqueci metade, mas peguei cartões e pouco a pouco vamos nos apoderar das coisas, com sacrifício nosso e deles, deve ser muito caro produzir tais joias e caro comprá-las. Tanta crise e esses heróis tentando o melhor.
Esse foi o dia da comida, mas nem só de pão vive o homem e apareceram livros, livros a mancheias. Um deles nem recomendo, é grosso e complexo demais. Vou ter que caminhar por ele devagar e sempre, antes de botar a boca no mundo. Chama-se "The Recognitions", de William Gaddis.
Os outros dois são lidos numa sentada. Fernanda Torres no seu segundo livro, "A Glória e seu Cortejo de Horrores", roendo os ossinhos dos bastidores da nossa cultura teatral, de cinema e de TV, na pele de um galã que simplesmente estava lá naquela hora e foi tragado pela onda. Não sou crítica literária, sei quando gosto ou não.
Gostei mais desse livro do que do primeiro, e sei que no próximo a autora já terá consigo mais uns truques para elaborar o estilo. Escreve aos borbotões, num único parágrafo, vai que vai e vai bem.
Outros Cantos |
Maria Valéria Rezende |
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O outro livro é da freirinha que fuma cigarros, e que ganhou o Jabuti, nesse ano. Maria Valeria Rezende, em "Outros Cantos". É o segundo livro, decididamente melhor que o primeiro, já "truquenta", contando mais que uma história ao mesmo tempo. É lá no sem fim do sertão para onde foi enviada num ônibus, como professora do Mobral. Bom de se ler, também.
Como quisera eu que falassem de comida, mas são anoréxicas. A freirinha ainda descreve um mó, muito bem descrita, afinal todo o trabalho do pequeno grupo com o qual ela se relaciona é feito para ganharem a honrosa e parca subsistência. O máximo que apareceu foi um cuscuz e uma banana, ora bolas, ninguém é perfeito.
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