Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Cada terra tem o bolo de Reis que merece

Crédito: Divulgação Bolo de reis feito pela Casa Santa Luzia
Bolo de reis feito pela Casa Santa Luzia

Já dizia Jean Paul Sartre que os bolos eram humanos, tinham rosto. Os bolos espanhóis são ascéticos, mas com uma certa arrogância no olhar e se desmancham na boca, pulverulentos.. Bolos gregos são oleosos como lamparinas e se os apertamos a gordura escorre. Os bolos alemães são grandes e macios como creme de barbear. Feitos de jeito para que homens obesos caiam na tentação, descuidados, sem se preocuparem com o sabor, mas com a doçura que invade a boca. Já os bolos italianos têm uma perfeição cruel, pequenos e sem defeitos, pouco maiores que "petit-fours", brilham suas cores fortes e escandalosas, que acabam com o apetite. Em vez de comê-los queremos usá-los como enfeites de aparador, peças de porcelana pintada.

Pois é, cada terra com o bolo que merece. É a sina do bolo de Reis, King´s Cake, Galette des Rois, que desde a Idade Média é assado para ser comido no dia de Reis.Tomava formatos diferentes, dependendo da região. Na Provença, era um brioche com frutas secas por cima. No norte, galette chata recheado de creme de leite batido. Em Lorena, um bolo seco. Em Lyon, um pão de ló macio com creme de amêndoas. Em Paris, um gorenflot, tipo de pão muito rico, com fermento de padeiro, semelhante a um brioche polonês.

O ritual sempre foi o mais importante, bolo da Epifania, comemorando o encontro dos Reis Magos com o Menino em 6 de janeiro. Mas também inchado de tradições pagãs ligadas à fertilidade tão popular aos romanos.

Escondia-se nele uma fava, um feijão, símbolo de de renovação, antes de ser substituído por pequenos balangandãs da sorte. Hoje, é um tipo de mil-folhas recheado de marzipã ou frutas secas. Essa é a versão de Pierre Hermé, mas tantas outras, tantas... Quem pegasse a fatia com a fava era rei por um dia.

Na roça mineira, cidadezinha de uma rua só de terra batida, cortado por ribeirão, sombreada por árvores de fruta, e pelas lapinhas com chão de musgo e lago de espelho, os reis magos iam andando devagar, um passo por dia, para seguir a estrela e presentear o Menino Rei.

As crianças enlouqueciam fabricando máscaras toscas que cobrissem a cara, calças de pijama, saias de chita. Bateriam nas portas, cantariam "Ó de casa, nobre gente, acordai e ouvireis, lá da banda do Oriente, são chegados os três reis!"

Músicas encerradas, a mágica da noite, da lua, do cheiro do cavalo parado na porta, eram convidados a entrar para ganharem doces, para comerem o Bolo de Reis, sobre a mesa nua, ele esperava, dourado, cremoso, um pouco suado, de fubá recheado com goiabada cascão.

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