Formou-se em direito pela PUC-SP, é doutor pela USP e pós-doutor pela Universidade de Oxford.
Escreve aos sábados,
a cada duas semanas.
Natureza da crise
Uma das características mais surpreendentes da Constituição de 1988 é sua alta resiliência. Digo surpreendente, pois muitos de seus críticos profetizavam que ela teria vida curta.
Ledo engano. A adoção de um sistema razoavelmente flexível para a aprovação de emendas, com um robusto núcleo de cláusulas pétreas, tem permitido à Constituição um constante rejuvenescimento sem, no entanto, perder a sua essência.
Da mesma forma, muitos propugnavam que o sistema de governo arquitetado em 1988, em que se associou o presidencialismo com um multipartidarismo exacerbado, levaria o país, necessariamente, à ingovernabilidade.
Novo engano. À exceção de Collor, os demais presidentes foram capazes de construir coalizões partidárias razoavelmente funcionais (eventualmente por meios pouco ortodoxos), que viabilizaram a implementação de seus planos de governo. A esse modus operandi da política brasileira deu-se o nome de "presidencialismo de coalizão".
Dentro desse sistema, os conflitos entre Executivo e Legislativo foram geralmente amenos. Com vasta iniciativa legislativa, medidas provisórias, além do império da caneta e um Orçamento flexível, o Executivo tornou-se o poder dominante nessa relação.
Com a fragilização da presidente Dilma, esse equilíbrio foi rompido e a relação de dominância se inverteu. O Congresso tomou em suas mãos o controle da agenda política, bem como passou a exercitar não apenas o poder de veto sobre a formação do gabinete da presidente, como até a escolha de seus interlocutores no Planalto. A presidente viu-se obrigada a abdicar do controle da economia e da política, em favor do mercado e do PMDB.
Assim, estamos assistindo à transição de um presidencialismo de coalizão para um ensaio de regime semipresidencialista. Ou seja, um sistema no qual a presidente eleita diretamente pelo povo é levada a dividir a responsabilidade de governar com diversos ministros indicados por sua idiossincrática coalizão parlamentar.
Algo semelhante, ainda que mais atenuado, ocorreu durante o governo Itamar, com Fernando Henrique Cardoso atuando como "primeiro-ministro".
No caso atual, no entanto, trata-se de um semipresidencialismo de coabitação, posto que a presidente se vê obrigada a coabitar com ministros indicados por partidos que mais se comportam como oposição do que como base de sustentação do governo.
É cedo, evidentemente, para saber se esse novo padrão de relacionamento entre Executivo e Legislativo tende a perdurar. A apuração dos escândalos de corrupção deve gerar novos desequilíbrios, assim como os protestos marcados para agosto podem desestabilizar ainda mais o quadro político.
É reconfortante, no entanto, verificar que o sistema constitucional tem sido capaz, em momentos de tensão, de absorver a crise política e continuar habilitando o jogo democrático. Tudo isso sem a necessidade de alteração do texto constitucional e muito menos a adoção de medidas de exceção.
Nesse sentido, a deterioração do quadro político não deve ser confundida com uma crise institucional. O que estamos vivendo é uma mera crise de governo, o que gera incertezas e conflitos, indispensáveis, aliás, à revitalização da democracia.
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