Formou-se em direito pela PUC-SP, é doutor pela USP e pós-doutor pela Universidade de Oxford.
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a cada duas semanas.
Transferir problema para os tribunais pode ser estratégia libertadora
Alan Marques/Folhapress | ||
O ministro Edson Fachin ao lado da cadeira de Teori Zavascki, durante sessão no STF na quarta (1º) |
Fazer justiça e impor sentenças não é uma tarefa fácil para quem exerce o poder. Não gera lealdades, nem angaria cooperação. Antes o contrário. Aqueles que se veem contrariados por uma sentença serão eternamente ressentidos com o seu algoz. Já quem é beneficiário de uma sentença favorável, não tende a ser grato. Afinal, se estava certo, só recebeu o que merecia.
Assim, dada a natureza ingrata e auto interessada do ser humano, como nos ensina Maquiavel, o melhor para o príncipe que tem a pretensão de exercer o poder de maneira estável é conceder a função de julgar a um corpo autônomo de funcionários, separados e independentes de sua corte. Ao soberano ficariam reservadas apenas aquelas prerrogativas generosas de anistiar e perdoar, com as quais pode obter a "eterna gratidão" dos "injustiçados".
Como sustenta o cientista político Stephen Holmes, monopolizar o poder é muito contraproducente e oneroso para qualquer soberano. Transferir problemas intratáveis para os tribunais pode ser uma estratégia libertadora, que permite ao príncipe se concentrar naquilo que mais lhe importa, que é obter a cooperação dos que contribuirão para a sua manutenção no poder.
Essa mesma lógica se aplica a outros temas indigestos que transcendem a esfera penal. Tem sido cada vez mais comum, ao redor do mundo, que Legislativo e Executivo se abstenham de decidir questões encrespadas, como aborto, uso de drogas, casamento entre pessoas do mesmo sexo, delegando aos juízes essas decisões. Dessa forma, não têm o ônus de se indispor com parcelas significativas do eleitorado.
Talvez esse raciocínio nos ajude a entender porque o presidente Michel Temer (PMDB) não tenha exercido a sua prerrogativa constitucional de indicar um substituto para o ministro Teori Zavaski logo após o seu trágico falecimento.
O fato de que o sucessor do ministro Teori seria herdeiro necessário da relatoria da Lava Jato, colocaria o presidente na linha de fogo de todos aqueles que serão afetados pela operação. Por outro lado, um eventual naufrágio da operação, também lhe seria tributado. Assim, a melhor estratégia foi a autocontenção, deixando à Justiça as tarefas difíceis para as quais foi criada.
A forma surpreendentemente pacífica como a "designação algorítmica" do ministro Edson Fachin foi recebida por seus colegas de turma segue a mesma lógica. Sinaliza não apenas a confiança na imparcialidade do ministro, mas também um certo alívio por não terem que tomar, individualmente, decisões muito custosas. O sorteio, poderia eventualmente ter sido evitado. O artigo 68, parágrafo primeiro, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, oferece espaço para que, em casos excepcionais, a escolha se desse de outra forma.
Ninguém ousaria discordar que esse é um caso especial.
A operação Lava Jato, sob nova condução, retomará assim o seu curso natural, que será inevitavelmente acidentado. Afinal, processar e julgar, de uma só vez, um número extraordinário de parlamentares seria um enorme desafio para qualquer tribunal do mundo democrático. Não há porque esperar que as coisas sejam diferentes para o Supremo. A autocontenção presidencial, no entanto, deve colaborar para que esse processo não se torne ainda mais conturbado do que promete.
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