Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

luiz rivoiro

 

19/12/2010 - 08h00

Ele, o tédio

Tédio. Que palavra é essa afinal? Pra resumir, segundo o Dicionário Houaiss: sensação de enfado produzido por algo lento, prolixo ou temporariamente prolongado demais. Enfim, a gente sabe muito bem. Mas e eles, o que sabem? Pouco, arrisco. Deveria ser terminantemente proibido para menores de 15 anos o uso da expressão: "Estou entediado..." Isso, assim mesmo, com reticências, como se o aborrecimento não tivesse fim e se alongasse, alongasse, alongasse... E dá-lhe reticências. Pois não é que os meninos entraram em férias esta semana e a primeira, vejam bem, a primeira coisa que o João falou foi: "Nossa, começaram as férias! O que vou fazer amanhã? Que tédio..." Caramba, não sei direito o que anda acontecendo com essa molecada pois, ainda me lembro muito bem que, os meus primeiros dias de férias, com toda aquela infinidade de folgas que ainda estava por vir, eram, disparado, o momento mais aguardado do ano. Sobretudo em dezembro, que, de quebra, ainda trazia o Natal como brinde. Agora, se dizer entediado logo de cara, no primeiro dia, ora, faça-me um favor!

No começo, achei que se tratava de um fenômeno localizado. Sei lá, o menino aprendeu essa palavra nos livros, nos filmes, na escola e, achando-a incrivelmente "adulta", tinha decidido usá-la com toda a pompa que o termo exige. Talvez. Mas mais elucidativo foi um papo que tive com alguns amigos também na semana que passou sobre o tema. E, vejam bem, todos, todos, relataram a mesmíssima situação: crianças de 8, 9, 10 anos se dizendo entediadas em casa com o início das férias escolares. Puxa vida, foi aí que caiu a ficha. O negócio era mais grave do que eu pensava. Estávamos vivendo uma verdadeira epidemia de tédio! E, pior, gravíssima, dada a natureza do fenômeno que tende a paralisar impulsos, vontades e atitudes dos pequenos sobretudo numa época em que eles tem todo o tempo do mundo à sua disposição. Meu Deus, o que fazer??? Contratar animadores de circo em tempo integral? Matriculá-los em cursos de férias de Kumon? Interná-los em acampamentos saturados de outros meninos igualmente entediados e potencialmente melequentos? Nada disso. Resolvi investigar. E, só depois, agir.

A primeira constatação tem a ver com nós mesmos, pais, que visando o futuro perfeito e dourado de nossos rebentos, fazemos de tudo para preencher o tempo deles com atividades "instrutivas e fundamentais à construção do seu intelecto e cidadania". E olha que eu nem sou daqueles que entulham a rotina dos pequenos de cursos e mais cursos. Nada disso. O que eles fazem, o fazem 90% do tempo na própria escola. Ok, tem aí aulas de natação, judô, capoeira, futebol e línguas, claro --mas este último tá no currículo, então não conta. Ou será que sim? Bem, não sei, o que notei é que ainda que não saiam correndo de um lado para o outro atrás de aulas e mais aulas extras, os meninos passam o dia inteiro no colégio numa imersão total com seus amigos e professores. Assim, é natural que sintam falta da rotina e dos seus "pares". Ok. Mas não é só isso.

Outra constatação diz respeito à quase ausência de amigos de "bairro". Não sei se isso acontece com vocês, mas com os meus ocorre em certa medida. E já foi pior, principalmente porque moramos num prédio antigo, com poucos apartamentos, sem área de lazer comum, o que acaba se convertendo num empecilho para a socialização. O problema foi em parte sanado com amiguinhos que vivem nos arredores, a três, quatro quadras de casa, distância que pode ser facilmente vencida a pé e em poucos minutos. O complicado é conciliar as agendas, já que todos vivem em constante movimento, saltando de uma atividade para outra. Mas no fim tem rolado um entrosamento bacana, que, espero, possa ser utilizado de forma eficiente no combate contra esse nosso terrível inimigo comum, "aquele que tememos dizemos o nome", ele, o tédio!

No fim de tudo, concluí que a junção dos dois fatores talvez seja responsável por, quem sabe, 50% do problema. A outra metade, tenho certeza,não depende de ninguém mais, a não ser de nós mesmos. É a solução é muito, mas muito mais simples do que parece. Basta lembrar da época em que éramos pequenos. Bem, primeiro preciso admitir que eu só fui saber da existência dessa palavra (tédio), depois dos 15 anos (época braba....) e, jamais, vejam bem, jamais cheguei pro meu pai chorumelando algo como: "Pai, estou entediado..." E se tivesse tido, imagino que a reação dele teria sido algop na linha: "O quê? Entediado? E que tal pegar numa enxada para carpir o mato? Ora, vai brincar moleque e não me amola!" Pronto. E eu teria ido imediatamente. Aí está o antídoto: brincar. Não importa de quê, nem com quem. Videogame, carrinho, jogo de tabuleiro, pega-pega, futebol, laboratório, bonecos de ação, tudo vale. Se cansar, pode ler um livro, uma revista em quadrinhos, ver um filme no DVD. Ainda não acabou com ele, pode ir pra cozinha, fazer pipoca, sorvete, pão de queijo. Sobrou um tempinho? Aproveita pra dar um mergulho na piscina, correr na pracinhas, encher o saco do irmão menor. Enfim, o fato é que, definitivamente, não há porque uma criança se sentir entediada nas férias. Nunca, jamais! De jeito nenhum! "Vai brincar, moleque!"

Em tempo: Esta semana tem Natal. Aproveito para desejar a todos muitas felicidades e um ano novo muito, mas muito melhor do que este que passou. Volto em 2011. Grande abraço a todos!

Luiz Rivoiro

Luiz Rivoiro, 42 anos, é pai de João, 8, e de Pedro, 4. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha.com.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página