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patrícia campos mello

 

20/01/2012 - 07h00

A vez do picolé de chuchu "made in USA"?

Muitos eleitores independentes americanos, que sempre decidem a eleição e apostaram em Barack Obama em 2008, este ano podem votar no republicano Mitt Romney. Pesquisa New York Times-CBS News divulgada dia 19 de janeiro mostra que apenas 37% dos independentes acham que Obama está fazendo um bom governo, enquanto 52% desaprovam sua administração.

Os independentes --aqueles que não se identificam nem como democratas, nem como republicanos e podem ir para um lado ou para o outro-- eram 39% em 2007 e são 40% hoje, segundo pesquisa do Gallup. É a maior porcentagem em 60 anos.

Em 2008, eles garantiram a eleição do "Messias" Barack Obama, que levou 52% dos votos dos independentes, diante de 44% para o republicano John McCain. O discurso de esperança, fim do excesso de partidarização no governo e reconstrução da reputação americana agradou em cheio a esses eleitores.

Desta vez, parece que os independentes não estão comprando a retórica grandiosa de Obama e estão preferindo o "picolé de chuchu" Romney. Segundo a mais recente pesquisa do Pew Research Center, 53% dos independentes votariam em Romney, enquanto 41% apoiariam Obama.

Muita gente se decepcionou com a distância entre os discursos gloriosos de Obama e o que ele realmente conseguiu por em prática. Segundo a última pesquisa do Washington Post-ABC News, 52% dos entrevistados acham que Obama "não concretizou muita coisa" ou "não conseguiu fazer nada". Para parte desses eleitores, mesmo a falta de carisma de Romney começa a parecer sedutora.

Seu jeitão de almofadinha, cabelo impecável e mania de mudar de opiniões de acordo com a conveniência angariavam escárnio de seus rivais na campanha de 2008. John McCain, que acabou indicado para a candidatura republicana na época, dizia frequentemente a interlocutores que Romney era um "babaca" e um "falso de m....".

Nesta eleição, McCain, ainda que tapando o nariz, e outros concorrentes de 2008 como Mike Huckabee e Rudy Giuliani demonstraram apoio a Romney, o "menos pior".

"Mitt" é o típico sujeito que os americanos jocosamente chamam de "anal retentive" ou simplesmente "anal". Trata-se da pessoa obsessivamente preocupada com ordem e detalhes; da psicologia Freudiana, aquele que teve problemas durante a fase anal, de aprender a usar o penico, e desenvolve esses traços de personalidade obsessivos.

Uma história na vida de Romney ilustra bem isso.

Como conta o livro recém-publicado nos EUA "The Real Romney", de Michael Kranish e Scott Helman, Mitt tinha o "regras estritas" para viagens de carro: só parava quando precisava reabastecer, e essas eram as únicas oportunidades de ir ao banheiro.

No verão de 1983, a família Romney --Mitt, Ann e os cinco filhos-- embarcou na perua branca Chevy para uma viagem de 12 horas de Boston para Ontário.

No bagageiro no teto, Seamus, o cão da raça Setter.

"Como com a maioria das empreitadas de sua vida, Romney não deixou quase nada para o acaso, traçando um mapa do caminho e planejando cada parada", contam os autores. Mitt avisou aos filhos que haveria paradas para gasolina, e só.

Mas Tagg, o filho mais velho, olhou para trás em um determinado momento e viu um líquido marrom escorrendo pelo vidro. "Que nojo!"

Era Seamus, passando mal.

Segundo os autores do livro, Mitt "friamente" encostou o carro em um posto de gasolina, pegou emprestada uma mangueira e lavou o vidro e o cachorro.

Voltou a amarrar o cachorro no bagageiro e continuou a viagem.

A história da frieza de Romney ao lidar com a dor de barriga de Seamus assombra o candidato até hoje.

Mas talvez parte do eleitorado esteja mesmo querendo menos poesia e mais planilha de Excel nesta eleição.

Na pesquisa do Washington Post-ABC News, 47% dos eleitores apoiam Romney, e 46%, Obama.

Para a campanha de reeleição do democrata, o moderado Romney é uma dor de cabeça muito maior do que candidatos mais polarizadores como Rick Santorum ou Rick Perry.

Mesmo assim Obama continua mais bem equipado para levar a eleição deste ano, por três motivos: aparente melhora na economia, ainda que tímida; grande poder de arrecadação de recursos; e fragilidades de Romney.

Na economia, o número mágico de 7,2% é sempre evocado para minimizar as chances de reeleição de Obama. Nenhum presidente americano desde Franklin Delano Roosevelt conseguiu se reeleger quando a taxa de desemprego no dia da eleição estava acima de 7,2%.

Mas um fator muito importante é a sensação de melhora, dizem vários economistas.

A taxa de desemprego americana, que chegou a um pico de 10% em outubro 2009, está em 8,5%. Ainda é muito alta.

No entanto, se continuar caindo e a economia americana confirmar os sinais positivos do final do ano, a maré pode virar. A percepção de que a economia está melhorando, embora ainda esteja ruim em termos absolutos, pode dar um impulso a Obama.

Além disso, no status de atual ocupante do cargo, ele continua imbatível em arrecadação de recursos --levantou US$ 42 milhões no último trimestre de 2011, diante de declarados US$ 24 milhões de Romney.

O fator "esquisitice" do mormonismo é um grande passivo para Romney. Por enquanto, não tem desempenhado um grande papel na campanha, mas pode virar alvo de ataques viscerais na reta final.

Outra fragilidade de Romney é sua imensa riqueza --estimada em US$ 250 milhões --e sua relutância em divulgar suas declarações de imposto de renda ou detalhes de sua atuação à frente da Bain Capital, chamada de "capitalismo de abutres" por promover reduções de quadros de funcionários nas empresas que comprava. Se eleito, Romney seria o americano mais rico a chegar à Casa Branca.

Em tempo de aumento de desigualdade naquela que já foi a maior sociedade meritocrática do mundo, isso vai dar pano para a manga.

patrícia campos mello

Patrícia Campos Mello é repórter especial da Folha e escreve para o site, às sextas, sobre política e economia internacional. Foi correspondente em Washington durante quatro anos, onde cobriu a eleição do presidente Barack Obama, a crise financeira e a guerra do Afeganistão, acompanhando as tropas americanas. Em Nova York, cobriu os atentados de 11 de Setembro. Formou-se em Jornalismo na Universidade de São Paulo e tem mestrado em Economia e Jornalismo pela New York University. É autora dos livros "O Mundo Tem Medo da China" (Mostarda, 2005) e "Índia - da Miséria à Potência" (Planeta, 2008).

 

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