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patrícia campos mello
Na ONU, Dilma erra a mão
No ano passado, a presidente Dilma Rousseff fez um discurso histórico na Assembleia-Geral da ONU. Foi a primeira vez que uma mulher abriu a Assembleia-Geral. A presidente aproveitou para lançar o conceito de "responsabilidade ao proteger" -a necessidade das nações de evitar danos maiores aos civis ao intervir em países em conflito. Responsabilidade ao proteger é uma pelo qual a ONU determina que a comunidade internacional deve intervir para evitar genocídios e crimes de guerra quando os próprios Estados não assumem esta responsabilidade.
"Seria lamentável, em última análise inaceitável, se uma missão estabelecida sob mandato das Nações Unidas com o objetivo de proteger civis causasse maiores danos do que aqueles que justificaram sua própria criação", discursou Dilma na ONU, no ano passado. O governo brasileiro tem como grande crítica a intervenção da Otan na Líbia, em que se acredita que a organização tenha abusado de seu mandato e transformado a resolução da ONU em passe livre para remover Muammar Gaddafi do poder, e acabou causando muitas baixas entre civis.
Neste ano, a presidente Dilma fez um discurso desnecessariamente agressivo.
Ela "bateu" nos países ricos do começo ao fim, do tsunami monetário ao protecionismo comercial, passando por Cuba, Palestina e Síria.
Em muitos temas, pode-se argumentar que as críticas de Dilma tinham mérito.
Mas em um tópico específico, a presidente errou a mão.
Dilma pôs no mesmo nível o "preconceito islamofóbico nos países ocidentais" e as mortes dos diplomatas americanos na Líbia, no dia 11 de setembro deste ano.
Todos se lembram do vídeo de sátira a Maomé, feito por um sujeito obscuro da Califórnia e condenado prontamente pela embaixada americana no Cairo. O vídeo desencadeou ataques que levaram à morte de dezenas de pessoas em todo mundo nos últimos dias. Entre eles, o embaixador americano na Líbia, Chris Stevens.
No discurso da presidente brasileira, o repúdio à islamofobia nas nações ocidentais precede a crítica aos atos que causaram a morte de Stevens e outros. Só depois é que Dilma repudiou, "com a mesma veemência" , vale destacar, "os atos de terrorismo que vitimaram diplomatas americanos na Líbia."
Diante do discurso belicoso da líder brasileira, a fala do presidente americano Barack Obama foi uma lição de tolerância. Está certo que Obama está em situação politicamente complicada depois da morte de Stevens e acusações de que não havia segurança adequada para os diplomatas. Em pleno calor eleitoral, ele também está sendo questionado a respeito de sua política para os países da região pós Primavera Árabe, diante da onda de reações antiamericanas.
Mas Obama optou por um discurso de união.
"Eu deixei claro que o governo dos Estados Unidos não teve nada a ver com esse vídeo e a mensagem do vídeo deve ser rejeitada por todos que respeitam nossa humanidade", discursou Obama. "Nós pressupomos que a violência das últimas semanas, ou o discurso de ódio de algumas pessoas, não representa a visão da maioria dos muçulmanos --da mesma maneira que as pessoas que produziram esse vídeo não representam a visão dos americanos."
E mais adiante: "Esse tipo de política, que joga o Ocidente contra o Oriente, sul contra norte, muçulmano contra cristão, hindu e judeu, não consegue cumprir as promessas de liberdade."
É para se pensar.
Patrícia Campos Mello é repórter especial da Folha e escreve para o site, às sextas, sobre política e economia internacional. Foi correspondente em Washington durante quatro anos, onde cobriu a eleição do presidente Barack Obama, a crise financeira e a guerra do Afeganistão, acompanhando as tropas americanas. Em Nova York, cobriu os atentados de 11 de Setembro. Formou-se em Jornalismo na Universidade de São Paulo e tem mestrado em Economia e Jornalismo pela New York University. É autora dos livros "O Mundo Tem Medo da China" (Mostarda, 2005) e "Índia - da Miséria à Potência" (Planeta, 2008).
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