Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Patrícia Campos Mello

Feminismo sem mimimi

Esse mimimi de mulheres brancas de classe média alta sobre a opressão masculina não apenas me dá preguiça como prejudica a mensagem (muito importante) que muitas feministas estão tentando passar nesta semana.

"Eu não fui promovida (no jornal) porque sou mulher", é a queixa.

Não, você não foi promovida porque é ruim. Ou porque o chefe (a chefa) não vai com a sua cara, independentemente de você ser homem ou mulher.

A diretora do jornal é mulher, a editora é mulher, o que não falta é mulher em cargo de chefia no jornal.

O caixa da padaria me falou: a senhora está muito bonita hoje. Não é assédio. Foi respeitoso e eu agradeci, está tudo certo.

Agora, vamos gastar energia onde ela é necessária:

A garota do subúrbio que passa duas horas por dia no trem e no ônibus lotado para chegar ao trabalho e tem sempre um infeliz que passa a mão na bunda dela. Isso é assédio, é sexismo.

O deputado acusado de embolsar alguns milhões propõe uma lei que poderá levar à prisão médicos que oferecerem a vítimas de estupro a opção de fazer um aborto.

E justifica a lei com a seguinte introdução: "A legalização do aborto vem sendo imposta a todo o mundo por organizações internacionais inspiradas por uma ideologia neomaltusiana de controle populacional e financiadas por fundações norte-americanas ligadas a interesses supercapitalistas." Sic.

Todas as mulheres vítimas de estupro e mutilação aqui no Brasil, na Índia, na África e tantos outros lugares.

As meninas que eram sequestradas em suas escolas e incorporadas ao harém do ditador líbio Muammar Gadaffi, como descrito com crueza de detalhes no livro "O Harém de Kadafi", de Annick Cojean.

Mulheres que passam por circuncisão clitoriana.

Aquelas que nem sequer conseguem nascer, já que as mães abortam fetos do sexo feminino, porque preferem ter meninos.

Meninas que deixam de estudar e ficam ajudando na casa, porque a prioridade é mandar os filhos homens para a escola.

Ou seja, quem se importa se alguém assobiou para você na rua? Ok, é uma cultura sexista, mas vamos nos concentrar nas mulheres que realmente são vítimas.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.