Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.
Refugiados, 'mar de lama' e a celeridade do governo
Em tempos de escassez de agenda positiva, a presidente Dilma Rousseff deveria se agarrar a dois trunfos brasileiros em política externa: o combate ao aquecimento global e a questão dos refugiados.
Os dois foram tema do discurso de Dilma na Assembleia-Geral da ONU, e o problema dos refugiados estará no centro das discussões da cúpula do G20, que começa no domingo em Antalya, na Turquia –país que abriga quase 3 milhões de sírios fugidos da guerra.
Estive na Turquia, no Iraque e na Síria em setembro. Os refugiados sírios estão em toda a parte: pedindo esmola nos faróis de Istambul, amontoados em campos de refugiados no norte do Iraque, trabalhando em hotéis em Erbil, tentando emigrar na fronteira entre Síria e Turquia.
O governo brasileiro teve dois acertos na área: estendeu por mais dois anos a concessão de vistos humanitários para os sírios e concedeu a 43.781 imigrantes haitianos que moram no Brasil o direito de solicitar residência permanente no país.
Agora, seria hora de incentivar ainda mais a entrada dos refugiados, que estão sendo rechaçados na Europa, enquanto a guerra na Síria fica cada vez mais sangrenta.
O visto humanitário exige menos documentos que o visto comum, que exige passagem de volta, comprovante de renda e outros papéis.
O refugiado precisa apenas mostrar um documento de identificação e comprovar ser de "nacionalidade afetada pelo conflito sírio".
Quando chega ao Brasil com o visto humanitário, o refugiado faz um pedido de refúgio. Enquanto aguarda a análise do Conare, órgão que decide se o imigrante é, de fato, refugiado, ele pode trabalhar e usar escolas e hospitais públicos.
Embora a presidente Dilma venha repetindo que o Brasil "está de braços abertos" para os refugiados, nossa participação no acolhimento ainda é minúscula.
Desde 2013, foram emitidos cerca de 7.000 vistos humanitários para os sírios. Segundo o Ministério da Justiça, 2.097 refugiados sírios (que conseguiram o status de refugiados) vivem no país atualmente –trata-se do maior grupo entre os 8.530 refugiados
O Canadá deu um ótimo exemplo: o recém-eleito primeiro-ministro Justin Trudeau está honrando sua promessa de acolher 25 mil refugiados sírios até o fim do ano (prazo um tanto exíguo para tal feito, mas, em todo caso).
Em conversa com amigos ativistas de direitos humanos, ficou claro que a janela de oportunidade para o Brasil fazer mais pelos imigrantes é curta. Com o desemprego em alta, está chegando o momento em que uma política mais liberal em relação a acolhimento de refugiados não será palatável para o público interno.
Ou seja: o tempo é curto, daqui a pouco a xenofobia vai impedir que o Brasil aprofunde sua política de braços abertos.
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A presidente Dilma demorou UMA SEMANA para sobrevoar o local do rompimento das barragens de rejeitos da Samarco, que destruiu um vilarejo, matou pelo menos 6 pessoas, enquanto 19 continuam desaparecidas. UMA SEMANA.
Roberto Stuckert Filho/Presidência da República | ||
A presidente Dilma Rousseff sobrevoa áreas atingidas pelo rompimento das barragens |
De alguma maneira, isso me remeteu ao ex-presidente americano George W Bush. Em 2005, a catástrofe do Katrina e a forma desastrada e descuidada pela qual Bush lidou com os efeitos do furacão aceleraram a derrocada do político republicano. Dentro do Air Force 1, Bush sobrevoou Nova Orleans DOIS DIAS depois da catástrofe.
Jim Watson - 31.ago.2005/AFP | ||
Do avião presidencial, George W. Bush vê os danos causados pelo furacão Katrina, em 2005 |
E a propósito, celeridade onde ela é necessária, na visão dos governantes. No início de outubro, o governador mineiro, Fernando Pimentel (PT), encaminhou um projeto de lei à Assembleia Legislativa em regime de urgência. O projeto visa tornar o processo de licenciamento ambiental mais ágil. Em setembro, o governador de Minas afirmou que os licenciamentos no Estado "são muito lentos, demorados, e exigem muitas vezes procedimentos quase punitivos do licenciado". Sic.
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