Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

Tirania avança na Turquia

Quando se tornou primeiro-ministro da Turquia em 2003, Recep Tayyip Erdogan era festejado por líderes europeus e americanos. Erdogan era um líder muçulmano reformista, que seria uma ponte com o Ocidente e cimentaria a entrada da Turquia na União Europeia.

O Parlamento turco aprovou uma série de reformas que ampliavam os direitos dos curdos, abriam a economia e davam voz à maioria religiosa moderada do país.

Catorze anos depois, Erdogan está prestes a martelar o último prego no caixão da democracia turca. No dia 16 de abril, eleitores turcos irão votar em um referendo sobre mudanças constitucionais que expandirão os poderes de Erdogan e permitirão que ele fique no poder por mais uma década.

Erdogan provavelmente agradece todos os dias àqueles que tentaram derrubar seu governo em julho do ano passado. O golpe fracassado foi usado como álibi para expurgos generalizados no país - desde julho, mais de 40 mil pessoas foram presas e 100 mil funcionários públicos, entre eles juízes, professores e promotores, foram demitidos. Mais de 150 jornalistas estão presos. O governo fechou 179 jornais, TVs e sites - entre eles, o diário Zaman, um dos maiores do país, com circulação de 650 mil. O jornal era ligado ao clérigo Fetullah Gulen, acusado de participar do golpe.

No dia 16, os turcos irão votar no referendo sobre 18 emendas constitucionais aprovadas pelo Parlamento em janeiro. Invocando as ameaças internas e externas do país - curdos, Estado Islâmico, e o mais recente bicho-papão, a Europa - Erdogan pede a aprovação de mudanças que promovem uma enorme concentração de poder nas mãos de um superpresidente.

As emendas acabam com o cargo do primeiro-ministro, transferem para o presidente a capacidade de nomear e demitir todos os membros de seu gabinete e de vários altos funcionários, sem nenhum escrutínio. E a cereja do bolo: permitem a Erdogan se candidatar a mais dois mandatos de cinco anos.

Segundo relatório deste mês da Comissão de Veneza, órgão consultivo do conselho europeu, "ao remover os freios e contrapesos necessários, as mudanças não seguem o modelo de um sistema presidencial democrático, baseado na separação entre os poderes, e poderiam transformar o governo em um sistema presidencial autoritário."

Em vez de atingi-lo, as críticas na realidade vêm aumentando a popularidade de Erdogan.

Desde que países europeus proibiram que o governo turco promovesse comícios a favor do referendo para turcos morando na Europa, ele tem esbravejado contra a UE, e ganho pontos. Em novembro, até festejou ser chamado de "ditador" pela mídia ocidental: "Se o ocidente chama alguém de ditador, na minha opinião, isso é uma coisa boa."

Erdogan aposta nas tensões com o mais novo inimigo externo para vencer no referendo. E está próximo disso: as últimas pesquisas indicavam que o SIM tinha pouco menos de 50%.

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