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patrícia campos mello

 

21/10/2011 - 07h43

Michael Lewis e o novo Terceiro Mundo

O americano Michael Lewis é um escritor excelente e prolífico. É dele o best-seller "Big Short- a jogada do século - os bastidores do colapso financeiro de 2008", que mostrou como alguns poucos investidores ganharam rios de dinheiro apostando que a montanha de CDOs e CDS era um castelo de cartas, e "Liar's Poker", escrito no auge da amoralidade do mercado financeiro dos anos 80.

Seu mais recente livro," Boomerang: adventures in the new third world" (Bumerangue: aventuras no novo terceiro mundo) é uma leitura deliciosa e com timing perfeito. A propagação da crise financeira está transformando países que antes se encaixavam no rótulo ricos em "novos pobres". Nações famosas por sua meritocracia e grande classe média, como os Estados Unidos, estão aprendendo a viver em sociedades cada vez mais desiguais-- enquanto a distribuição de renda em países lanterninha do coeficiente de Gini, como o Brasil, vai melhorando, embora ainda seja muito ruim.

O livro é resultado da compilação e ampliação das reportagens que Lewis fez para a Vanity Fair desde 2008, enfocando como a crise afetou a Islândia, a Grécia, a Irlanda, a Alemanha e os Estados unidos --neste último, principalmente sob o prisma da Califórnia.

Na Islândia, Lewis descreve como uma nação de pescadores se transformou em um país composto basicamente por banqueiros de investimento. E como países como a Alemanha e o Reino Unido despejaram bilhões de dólares em um punhado de bancos islandeses que quebrou de forma estrepitosa.

Na Grécia, no capítulo apropriadamente intitulado "E eles inventaram a matemática", Lewis usa o mosteiro Vatopaidi, envolvido em escândalo, para mostrar como uma cultura de desrespeito às regras, gastos públicos absurdos, maquiagem de números para serem aceitos no euro e sonegação de impostos generalizada está no cerne da quebra anunciada do país.
Em média, um emprego no setor público paga três vezes mais do que um no setor privado. A rede nacional ferroviária tem uma receita anual de 100 milhões de euros, paga 400 milhões de euros só em salários e 300 milhões em outras despesas. Lewis nos conta que a idade de aposentadoria para profissões consideradas árduas na Grécia --como cabeleireiro, garçom e músico-- e 55 anos para homens.

Na Alemanha, um país conservador e poupador, uma série de bancos regionais crédulos continuou engolindo todo o lixo subprime dos americanos quando o resto do mundo já sabia que o negócio tinha ido pro vinagre.

Na Irlanda, a euforia imobiliária destruiu a economia de um país antes chamado de tigre celta, por seu milagre econômico.

O livro é um saboroso retrato de como a crise afetou de forma diferente cada um dos países.

Mas Lewis escorrega nas generalizações e estereótipos, o que causou justificada irritação nos países retratados.

Há trechos cheios de lugares comuns, como esse: "Talvez porque existam tão poucos islandeses no mundo, não sabemos quase nada sobre eles. Nós partimos do pressuposto de que são mais ou menos escandinavos --um povo meigo que quer apenas que todo mundo tenha a mesma quantidade de tudo. Mas eles não são. Eles têm um aspecto bravio, como um cavalo que só está fingindo estar subjugado."

Ou, pior, no capítulo sobre a Alemanha, ele passa um bom tempo discutindo a suposta "obsessão anal" dos alemães.

Apesar de não serem suficientes para comprometer o livro, essas generalizações e tentativas de encaixar cada povo em fórmulas estragam um pouco a obra.

patrícia campos mello

Patrícia Campos Mello é repórter especial da Folha e escreve para o site, às sextas, sobre política e economia internacional. Foi correspondente em Washington durante quatro anos, onde cobriu a eleição do presidente Barack Obama, a crise financeira e a guerra do Afeganistão, acompanhando as tropas americanas. Em Nova York, cobriu os atentados de 11 de Setembro. Formou-se em Jornalismo na Universidade de São Paulo e tem mestrado em Economia e Jornalismo pela New York University. É autora dos livros "O Mundo Tem Medo da China" (Mostarda, 2005) e "Índia - da Miséria à Potência" (Planeta, 2008).

 

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