paula cesarino costa
ombudsman
Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.
Quase notícias de um quase governo
Lydia Megumi / foto Pedro Ladeira/Editoria de Arte/Folhapress | ||
Um ex-presidente da República costuma comparar as páginas de política dos jornais aos campos da agricultura: em se plantando bem, tudo dá. É a forma jocosa como critica o uso que políticos fazem dos jornalistas para transmitir ações que desejam com o privilégio de não serem identificados.
Nos dias que se sucederam à aprovação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, começaram a florescer nas páginas políticas de todos os jornais especulações sobre equipe e projetos de um eventual governo Michel Temer. Não poderia haver momento mais fértil.
É certo que não há como o jornal se eximir de apresentar os planos de governo que estão sendo discutidos. Mas a barafunda de projetos obriga que a Folha investigue aqueles que considerar consistentes e relevantes de forma mais aprofundada, mais técnica e mais questionadora do que tem tratado até o momento.
As reportagens se sucederam em variedade e inocência: Temer é contra aumento de imposto, prevê cortes radicais no Orçamento, quer mudar a idade mínima da aposentadoria, quer privatizar mais, propõe bônus de desempenho para professores, defende empresas aéreas com 100% de capital estrangeiro, reduzirá o número de ministérios. Algumas chegaram à manchete, o enunciado principal do jornal.
Para o secretario de Redação de Edição, Vinicius Mota, "há condições para que uma apuração seja levada à manchete: relevância, profundidade da apuração, elevado status das fontes. No caso concreto, é difícil afastar 100% o risco de ver a notícia relativizada ou modificada nos dias seguintes".
O diretor da Sucursal de Brasília, Igor Gielow, afirma que cobrir transição de governo é difícil. "Temos de aliar tentativa de compreensão do processo de mudança à demanda pelas novidades."
A edição de 28 de abril serve de exemplo da ação dos assessores políticos, que fatiaram o documento "Travessia Social" e conseguiram manchetes de Folha, "O Globo" e "O Estado de S. Paulo" sobre planos do novo governo.
O editor de "Poder", Fábio Zanini, reconhece que há muitos balões de ensaio. "A imprensa corre o risco constante de ser usada para testar nomes. É comum que decisões consolidadas sejam modificadas por novas circunstâncias."
O leitor Marco Bandeira reclamou: "A Folha tem, cada vez com mais frequência, trazido especulações para a 'Primeira Página'. Exemplo cristalino é a manchete 'Temer deve ter base capaz de alterar a Constituição' (01/05). Não é uma notícia, não é um fato, é uma especulação".
O pior é que as especulações se espalharam. A capa da "Ilustrada" de 30 de abril afirmava que "rumores" apontavam a possibilidade de fusão do Ministério da Cultura com o da Educação. Na mesma edição, na página A4, a tal fusão já havia sido descartada.
São dias em que vicejam mais barrigas –no jargão jornalístico, informação errada – do que furos –a informação exclusiva. É fundamental e decisivo que os jornalistas multipliquem suas fontes, coloquem à prova as mais confiáveis e que a informação seja trabalhada sem a afobação do furo, em nome da sua exatidão.
Jornalistas experientes testemunham que a história das formações de ministério mostra que até o próprio presidente se surpreende ao final da própria escolha.
Cabe à Folha ampliar seu repertório crítico sobre o eventual novo governo, rever seus procedimentos de cruzamento de informações, pesar mais a qualidade do que a inevitável sede do pseudofuro, da quase notícia.
Dizia o chanceler alemão Helmut Schmidt (1918-2015), que após deixar o poder foi co-editor do jornal "Die Zeit": "Políticos e jornalistas compartilham um triste destino. Têm que falar de coisas hoje que só compreenderão bem amanhã".
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ERROU NA MOSCA
"Ridícula", "lamentável", "vergonhosa" e de "mau-gosto". São alguns dos adjetivos que expressam a indignação de muitos leitores com a publicação, na "Primeira Página" de segunda (2), de uma sequência de fotos da presidente Dilma Rousseff incomodada com inseto durante o comício de 1º de Maio, em São Paulo.
"Jornalístico e inventivo", definiu o editor-executivo Sérgio Dávila. "Foi uma maneira de sairmos do lugar-comum das fotos sobre os eventos, cobertos à exaustão e sempre iguais."
Em crítica interna, elogiei a boa solução gráfica das imagens, que fugia do óbvio. Observei, porém, que a comparação com a foto festiva de Paulinho da Força, logo abaixo, causava impressão de desequilíbrio editorial.
O viés político não foi o mais citado pelos leitores. O que se repetiu foi a impressão de que a Folha fez "molecagem", com o objetivo de "achincalhar" a presidente. Não vi desrespeito. O jornal não deve deixar de publicar o que considera editorialmente relevante por medo de desagradar o leitor. Mas deve buscar sempre equilíbrio e precisão. Falhou.
A mosca provavelmente era uma abelha. O jornal teve que publicar Erramos que dizia "ser impossível afirmar com certeza qual era o inseto". Um antológico redator da Folha aconselhava: é preferível ser impreciso a ser incorreto.
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