paula cesarino costa
ombudsman
Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.
A Olimpíada se encerra sem uma grande reportagem de impacto
O país parou neste mês de agosto. Pouca coisa relevante sobressaiu à avalanche esportiva da Rio-2016. Nunca se viu tanto esporte durante tanto tempo por meios tão diversos. Pela televisão, no celular, no computador ou nas arenas, o brasileiro passou as últimas duas semanas imerso nas 42 modalidades com medalhas em disputa: 136 femininas, 161 masculinas e nove mistas. Por si, a Olimpíada é espetáculo comum de dois gêneros, multinacional e multicultural.
O site da Folha bateu na segunda, 15, o recorde de audiência esportiva. Em número de visitantes únicos, teve mais que o dobro da melhor marca anterior, obtida em 13 de junho de 2014, segundo dia da Copa do Mundo de futebol no Brasil.
Chance única e desafio imenso para jornais brasileiros, a cobertura da Rio-2016, no geral, foi oportunidade perdida pela imprensa para inovar, fazer experiências, descobrir caminhos, atrair novos leitores.
Por motivos financeiros, dificuldades tecnológicas, ausência de planejamento ou falta de criatividade, Folha, "O Globo" e "O Estado de S. Paulo", os três maiores jornais brasileiros, tiveram desempenho tímido ante o desafio de fazer do maior evento esportivo do mundo, realizado pela primeira vez no Brasil, alavanca do jornalismo que praticam e do produto que oferecem.
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À esq., a melhor capa com Thiago Braz; no meio e à dir., Simone Biles na Folha e no NYT |
Quem acompanhou a Olimpíada pelas versões digitais da Folha manteve-se bem informado, mas não maravilhado pelo cardápio que lhe foi oferecido. O jornal foi ágil e tentou oferecer a cobertura factual com padrão de qualidade usual e algumas novidades. Com a bem-humorada chamada "dormiu cedo?", por exemplo, resumia ao leitor o que tinha acontecido de importante na véspera e na madrugada, bom exercício de orientação e serviço.
No jornal impresso, a Folha começou seu caderno dedicado à Rio-2016 em 31 de julho, cinco dias antes da abertura oficial e uma semana depois dos concorrentes, sempre com média de páginas menor. Não foi esse o problema.
A Olimpíada se encerra sem uma grande reportagem de impacto, relevância ou ineditismo.
A imensa possibilidade de uso do jornalismo de dados foi praticamente ignorada. Essencial para uma cobertura técnica e esportiva diferenciada, com possibilidade de consolidação ou indicação de novas tendências, a presença de textos analíticos baseados em agregação de dados não existiu.
Jornal que fez dos infográficos parte importante de sua história, a Folha não se destacou em oferecer quadros com explicações sobre modalidades ou análise de resultados. Coube ao jornal "The New York Times" demonstrar que há possibilidades criativas a explorar. Os gráficos, fotos e vídeos com os quais esmiuçou as apresentações da ginasta Simone Biles são demonstração de excelência, capacidade de edição e inovação.
Se os Jogos são dirigidos pela hiperoferta de imagens, a Folha pecou na edição de fotos. A primeira página de 16 de agosto, com a foto de alto a baixo do salto com vara de Thiago Braz foi raro bom exemplo. Além de deixar escapar cenas simbólicas como a do judoca egípcio que se recusou a cumprimentar o atleta israelense.
A Folha não se destacou nos tormentosos casos policiais que envolveram os jogos, como a detenção de supostos planejadores de atentados terroristas e o rumoroso caso do nadador americano que inventou ter sido assaltado. Foi protocolar.
Pouco mostrou da festa na cidade além das arenas; nas casas e nas ruas. Às vezes, parecia esquecer que a competição se realizava no Brasil.
Incomodou os leitores a impressão de que se fazia opção pelo pessimismo. Em mensagens eletrônicas ou nas redes sociais, reclamaram da forma mal-humorada e azeda de textos e títulos da Folha.
O pior exemplo foi o tratamento dado à medalha do ginasta Arthur Zanetti, como registrado em subtítulo (16/8): "Depois do ouro em Londres, Zanetti leva prata, mas ainda assim se revela satisfeito". Não bastasse, o texto dizia: "Apesar da expectativa em torno dele para a medalha de ouro, o atleta parecia feliz por ter conseguido sua segunda medalha olímpica em duas Olimpíadas consecutivas". Feito inédito na ginástica masculina do país, tinha motivo para estar feliz.
Em todo o mundo, as referências sexistas foram identificadas na cobertura jornalística. Nas disputas masculinas, a cobertura privilegia índices e desempenhos. Nas femininas, dominam as frivolidades e se dá valor demasiado à aparência.
Até na Folha. Caracterizou assim a nadadora húngara Katinka Hosszu (três medalhas de ouro e uma de prata): "A nova fase fez brotar uma Katinka mais forte, quase masculinizada, porém letal".
A questão de gênero é só uma das muitas que a cobertura olímpica levanta. Uma das características mais marcantes foi ter sido óbvia. A Olimpíada do Rio acaba sem que tenha deixado legado jornalístico também.
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