paula cesarino costa
ombudsman
Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.
O que mudou?
Com o cargo completando 27 anos, questionei alguns dos ex-ombudsmans quanto ao que eles consideram os principais desafios e mudanças desde que deixaram o posto. Confira as respostas a seguir.
De ombudsman a leitor, como analisa as mudanças da Folha desde então?
CAIO TÚLIO COSTA
(24/9/1989 a 22/9/1991)
Eduardo Knapp/Folhapress |
Para responder à pergunta eu preciso do espaço de uns dois livros bem gordos e não conseguirei dar conta. Quando a Folha inaugurou esta função, o jornalismo ainda estava na era de Gutenberg e agora se encontra na fase chamada de pós-industrial. Mudou tudo. Hoje, duas das maiores empresas de mídia do planeta (Google e Facebook) não produzem uma linha sequer de conteúdo. Sabe lá o que é isso? Pior, os jornais não estão conseguindo acompanhar a disrupção que o meio sofre desde que a internet existe e se agravou com as redes sociais.
A Folha tem a sorte de ter uma empresa irmã que está se saindo muito bem neste novo ambiente, o UOL. Mas como jornal, seja no impresso seja no digital, a Folha ainda está agarrada a um modelo de negócio que definha rapidamente. Enfim, teria muita coisa pra falar
MARIO VITOR SANTOS
(19/9/1991 a 19/9/1993 e 12/1/1997 a 28/12/1997)
Gabo Morales/Folhapress |
A principal mudança foi o abandono da busca da equidistância e da imparcialidade —expressa tanto nas reportagens como na edição— em troca do apoio jornalístico à derrubada, por motivações de natureza política, de uma presidente eleita, contra a qual não existe acusação de crime, seguida agora pelo apoio ao governo que resultou desse golpe.
MARCELO LEITE
(2/10/1994 a 5/1/1997)
Eduardo Knapp/Folhapress |
Acredite, faz 20 anos que meu mandato acabou. Muita coisa mudou, talvez coisas demais.
O espaço e a Redação encolheram, enquanto as tarefas se multiplicaram com site, vídeos e infografia animada.
Numa época em que as redes sociais amplificam a polarização ideológica, análise e interpretação jornalísticas, que deveriam abalar esses edifícios de certeza, migraram das reportagens —hoje apenas relatoriais em sua maioria— para colunas de opinião (quando não cedem à lógica maniqueísta das redes) e edições especiais.
Não creio que seja apenas despreparo de jornalistas mais jovens, mas também incentivos estruturais para apurar e redigir mal: baixos salários, precariedade no emprego, sobrecarga, moral rebaixado pelas sucessivas ondas de demissão.
O resultado é um jornal superficial, chato, com muitos altos e baixos.
O leitor em busca de informação mais qualificada tem de se contentar com o "Valor Econômico", apesar do recorte restrito e da edição burocrática, e com a "Piauí", ou publicações estrangeiras para também ter alguma prazer durante a leitura.
BERNARDO AJZENBERG
(18/3/2001 a 7/3/2004)
Caio Guatelli/Folhapress |
À parte o vazamento obrigatório para outros suportes —principalmente internet—, os jornais, no fundo, não mudaram muito nos últimos 15 anos. E esse é o problema. Porque todo o resto mudou.
Não se pega mais o jornal para saber o que aconteceu ontem ou para ver como será o tempo e que filmes estão passando na cidade –para isso temos sites, televisão, rádio. Esse modelo está obsoleto.
Qual é, então, o "valor agregado" diferenciador que ele poderia oferecer para justificar a sua existência e o seu custo hoje?
Em tese, a apuração jornalística inédita, a captação de tendências, um aprofundamento dos temas —maiores ou menores— da vida cotidiana; uma contribuição equilibrada para o debate político, econômico e cultural no país; uma prestação de serviços diferentes, especiais.
Se é isso, por que não radicalizar nessa direção?
MÁRIO MAGALHÃES
(8/4/2007 a 6/4/2008)
Ana Carolina Fernandes/Folhapress |
Certo jornalismo brasileiro vem se descaracterizando, transformando-se em propaganda. Regressou ao partidarismo estouvado dos anos 1950. É crítico com uns e condescendente com outros. A opinião sufoca a informação. Muitas vezes o que na forma é reportagem no conteúdo constitui editorial. Perde o jornalismo, os cidadãos perdem muito mais.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
(27/4/2008 a 21/2/2010)
Marlene Bergamo/Folhapress |
Neste período, o negócio do jornalismo sofreu em praticamente todo o mundo ocidental as maiores mudanças estruturais em mais de um século. O resultado, em geral, do ponto de vista técnico, foi uma sensível perda de qualidade, provocada pela incapacidade dos gestores dos veículos em encontrar fórmulas de permanecerem suficientemente lucrativos a ponto de sustentar os padrões de excelência tradicionais.
A resposta-padrão às dificuldades financeiras foi cortar pessoal e conteúdo. A consequente deterioração do produto se tornou inescapável. A Folha não escapou desse processo. Minha avaliação impressionística (não metódica) é que o jornal piorou em relação ao que era antes.
Louve-se, no entanto, seu empenho em manter, ao contrário de muitos outros pelo mundo e apesar da intensidade da crise, a função de ombudsman, comprovação de que sua atitude em relação à autocrítica e à tentativa de melhorar resistiu ao impacto dos problemas.
Se fosse ombudsman hoje, qual seria sua maior preocupação e/ou desafio?
CAIO TÚLIO COSTA
Eduardo Knapp/Folhapress |
Se eu estivesse no seu lugar, eu iria me preocupar muito sobre como o leitor quer ser informado, qual a maneira mais eficaz de levar a informação e chegar nele onde ele estiver, além de eleger a interação como o principal marco da relação entre jornalista e leitor.
Não descuidaria em nenhum momento da questão central que é a de encontrar o modelo de negócio capaz de dar vida a uma publicação independente, crítica, distanciada dos centros de poder —políticos e empresariais— e com total capacidade investigativa.
MARIO VITOR SANTOS
Gabo Morales/Folhapress |
Seria a inexistência de audição —equilibrada, expressa na forma das edições— de todos os lados, especialmente o que atinge os governos Lula, Dilma e o PT, e as terríveis consequências dessa prática, como a condução ao poder de um grupo envolvido diretamente em desvios na Petrobras e outros órgãos.
Outra questão seria o oficialismo, ou seja, a dependência exclusiva, voluntária, orgânica e oculta ao público, do noticiário sobre a Lava Jato a fontes oficiais mantidas em sigilo, na PF, no MPF, e na Justiça.
MARCELO LEITE
Eduardo Knapp/Folhapress |
Dar o máximo de transparência quanto à transformação profunda em curso no jornalismo e seu modelo de negócios, que pode bem acabar em morte ou coma, e indicar como essa deterioração se manifesta a cada dia nas edições que eles têm em mãos. Secundariamente, retomar a tradição de "media criticism", bem mais aguerrida quando a função foi criada, recorrendo a comparações diretas entre os meios de comunicação quanto a seu conteúdo e vieses, não tanto quanto a volume ou apresentação gráfica. Separar o joio do trigo e dar nomes aos bois.
BERNARDO AJZENBERG
Caio Guatelli/Folhapress |
Há uma transição em curso, sofrida e difícil, para um outro modelo, em que o jornal precisa se reinventar e enfrentar a dinâmica perversa e empobrecedora das polarizações dos algoritmos das redes sociais.
Talvez o maior desafio seja, escorando-se na sensibilidade do leitorado e nos princípios de apartidarismo, criticismo, respeito ao "outro lado", credibilidade e qualidade de texto, contribuir com elementos concretos para forjar esse jornal reformulado. Por questão de sobrevivência e porque isso é do interesse do leitor.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
Marlene Bergamo/Folhapress |
A função do ombudsman, já que o consumo do jornal tem se deslocado do papel para a tela, deve se concentrar mais na edição digital, com suas caraterísticas e peculiaridades específicas, do que na impressa para atender às necessidades e demandas do público que cada vez mais a lê.
Isso, sem deixar de dar prioridade para as questões de técnica jornalística (apuração, redação, correção linguística, edição) e de fidelidade aos princípios do Projeto Folha (apartidarismo, pluralismo, didatismo, espírito crítico).
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