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paul krugman

 

14/05/2012 - 18h40

Por que regulamentamos

DE SÃO PAULO

Um dos personagens do faroeste clássico de 1939 "No Tempo das Diligências" é um banqueiro chamado Gatewood que discursa para seu público cativo sobre os males do governo grande, especialmente a regulamentação dos bancos --"como se nós, banqueiros, não soubéssemos administrar nossos próprios bancos!", exclama. Quando o filme avança, ficamos sabendo que, na realidade, Gatewood está fugindo da cidade com uma sacola cheia de dinheiro desviado.

Pelo que sabemos,Jamie Dimon, o presidente e CEO do JPMorgan Chase, não pretende fazer nada semelhante a isso. Mas ele tem se mostrado afeito a fazer discursos como o de Gatewood, dizendo que ele e seus colegas sabem o que estão fazendo e não precisam ser fiscalizados pelo governo. Por essa razão, há muita justiça poética --e uma importante lição política a ser aprendida-- no anúncio inesperado feito pelo JPMorgan de que, de alguma maneira, conseguiu perder US$2 bilhões em uma transação financeira escusa e mal sucedida.

Para que fique claro, os empresários são humanos --embora os senhores das finanças tenham a tendência a esquecer-se disso-- e cometem erros o tempo todo, erros que causam prejuízos. Esse fato, por si só, não constitui razão para o governo se envolver. Mas os bancos são especiais porque o ônus dos riscos que eles assumem são carregados em grande parte pelos contribuintes e a economia como um todo. E o que o JPMorgan acaba de demonstrar é que é preciso impor limites rígidos aos tipos de riscos que os banqueiros são autorizados a assumir, mesmo os banqueiros supostamente inteligentes.

Por que, exatamente, os bancos são especiais? Porque a história nos revela que a atividade bancária é e sempre foi sujeita a ocasionais "pânicos" destrutivos que podem semear o caos na economia como um todo. A mitologia atual da direita reza que os erros dos bancos sempre são frutos da intervenção governamental, quer seja por parte do Federal Reserve ou da ingerência de parlamentares liberais. Na realidade, porém, a América da Idade do Ouro --uma terra com governo mínimo e nenhum Fed-- foi sujeita a pânicos mais ou menos a cada seis anos. E alguns desses pânicos provocaram prejuízos econômicos de grande monta.

O que pode ser feito, então? Na década de 1930, depois da "mãe" de todos os pânicos de bancos, chegamos a uma solução que funcionava, solução essa que envolvia garantias e fiscalização. Por um lado, o espaço para um pânico era limitado por um seguro de depósitos avalizado pelo governo; por outro, os bancos eram sujeitos a regulamentos cuja finalidade era impedi-los de abusar do status privilegiado que derivavam do seguro sobre depósitos, que, concretamente, é uma garantia governamental de suas dívidas. Mais especialmente, os bancos com depósitos avalizados pelo governo não são autorizados a praticar a especulação às vezes de alto risco que é característica dos bancos de investimentos, como o Lehman Brothers.

Esse sistema nos proporcionou meio século de relativa estabilidade financeira. Com o tempo, porém, as lições da história foram esquecidas. Novas formas de atividade bancária sem garantias governamentais proliferaram; tanto os bancos convencionais quanto outros, de tipo mais moderno, foram autorizados a assumir riscos cada vez maiores. Dito e feito: acabamos sofrendo a versão século 21 de um pânico dos bancos da Era de Ouro, e as consequências foram terríveis.

Está claro, portanto, que precisamos restaurar o tipo de salvaguarda que nos garantiu duas gerações sem grandes pânicos bancários. Está claro, isto é, para todos menos os banqueiros e os políticos que eles financiam --isso porque, agora que já foram socorridos, ficou evidente que os banqueiros gostariam de voltar ao "business as usual". Será que mencionei que Wall Street vem entregando valores enormes a Mitt Romney, que prometeu revogar as reformas financeiras recentes?

É neste cenário que Dimon entra em cena. Para crédito do banco e de Dimon, o JPMorgan conseguiu evitar muitos dos investimentos ruins que colocaram outros bancos de joelhos. Esta aparente demonstração de prudência fez de Dimon o líder da luta de Wall Street para adiar, diluir e/ou revogar as reformas financeiras. Dimon vem se manifestando com força especial contra a Regra de Volcker, que impediria bancos com depósitos avalizados pelo governo de praticar especulações com o dinheiro dos depositantes. Confie em nós, é o que o chefe do JPMorgan vem dizendo, na prática --está tudo sob controle.

Mas parece que não está.

O que o JPMorgan fez de fato? Ao que parece, usou o mercado de derivativos --instrumentos financeiros complexos-- para fazer uma aposta enorme na segurança da dívida corporativa, um pouco como as apostas que a seguradora AIG fez com a dívida imobiliária, alguns anos atrás. O xis da questão não é o fato de a aposta ter dado errado; é que as instituições que exercem papel crucial no sistema financeiro não devem assumir riscos desse tipo, menos ainda quando essas instituições são avalizadas por garantias dos contribuintes.

Por enquanto parece que Dimon entendeu que se excedeu, tendo chegado a admitir que os defensores do reforço da regulamentação talvez tenham alguma razão. Mas é provável que isso não dure; prevejo que bastarão algumas semanas, ou mesmo dias, para Wall Street voltar à arrogância de praxe.

A verdade, porém, é que acabamos de ver uma demonstração objetiva da razão pela qual Wall Street precisa, sim, ser sujeita à regulamentação. Obrigado, senhor Dimon.

Tradução de Clara Allain

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

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