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paul krugman

 

22/03/2013 - 21h18

Trauma da ilha do tesouro

O jornalista Nicholas Shaxson publicou há dois anos um livro fascinante e assustador intitulado "Treasure Islands" (Ilhas do tesouro), em que explicou como os paraísos fiscais internacionais --que, como observou, também são "jurisdições do segredo" onde muitas regras não se aplicam-- enfraquecem economias em todo o mundo. Não apenas elas furtam receitas de governos em dificuldades e possibilitam a corrupção, como distorcem o fluxo de capitais, ajudando a alimentar crises financeiras cada vez maiores.

Uma questão em que Shaxson não foi a fundo, porém, é o que acontece quando uma jurisdição do segredo vai à falência. É o que está acontecendo no Chipre neste momento. E, seja qual for o resultado para o próprio Chipre (uma dica: provavelmente não será bom), a confusão do Chipre revela como o sistema bancário mundial ainda não foi reformado, quase cinco anos depois de iniciada a crise financeira global.

Bom, para falar no Chipre: você talvez se pergunte por que as pessoas se preocupam com um país minúsculo, com economia não muito maior que a da região metropolitana de Scranton, na Pensilvânia. Mas o Chipre é membro da zona do euro, de modo que os acontecimentos no país podem contagiar países maiores (por exemplo, provocando uma corrida aos bancos). E há outra coisa: embora a economia cipriota possa ser muito pequena, a ilha é um ator financeiro surpreendentemente grande, com setor bancário com dimensões quatro a cinco vezes maiores do que se poderia prever, considerando as dimensões de sua economia.

Por que os bancos cipriotas são tão grandes? Porque o país é um paraíso fiscal em que corporações e estrangeiros ricos guardam seu dinheiro escondido. Oficialmente, 37% dos depósitos feitos em bancos cipriotas vêm de pessoas ou empresas não residentes no país; o número real certamente é muito maior, levando em conta os estrangeiros ricos radicados no país e pessoas que são apenas nominalmente residentes ali. Basicamente, o Chipre é um lugar onde pessoas --especialmente, mas não exclusivamente, russas-- escondem sua riqueza da Receita e dos reguladores. Apresente a coisa como você quiser, trata-se basicamente de lavagem de dinheiro.

E a verdade é que boa parte da riqueza nunca chegou a sair do lugar --ela apenas ficou invisível. No papel, por exemplo, o Chipre se tornou enorme investidor na Rússia --muito maior que a Alemanha, cuja economia é centenas de vezes maior que a cipriota. Na realidade, é claro, o que aconteceu é simplesmente que russos usaram a ilha como paraíso fiscal, mandando seu dinheiro em "viagens de ida e volta" a ela.

Infelizmente para os cipriotas, entrou no país dinheiro real suficiente para financiar alguns investimentos péssimos, quando seus bancos compraram dívida grega e concederam empréstimos, financiando uma enorme bolha imobiliária. Cedo ou tarde, as coisas teriam que dar errado. E deram.

E agora, com fica? Existem algumas semelhanças grandes entre o Chipre agora e a Islândia (uma economia de dimensões semelhantes) alguns anos atrás. Como o Chipre hoje, a Islândia tinha um setor bancário enorme, inchado com depósitos estrangeiros e simplesmente grande demais para ser resgatado. A resposta do país foi basicamente deixar que os bancos falissem, eliminando aqueles investidores estrangeiros e protegendo os depositantes domésticos. E os resultados não foram muito ruins. Na verdade, a Islândia, com índice de desemprego muito mais baixo que a maior parte da Europa, vem superando a crise surpreendentemente bem.

Lamentavelmente, a resposta do Chipre à crise vem sendo uma confusão total. Em parte, isso é reflexo do fato de que a ilha não possui mais moeda própria, o que a torna dependente dos tomadores de decisões em Bruxelas e Berlim, que não estão dispostos a permitir a falência aberta dos bancos.

Mas também é reflexo da relutância do Chipre em aceitar o fim de seu negócio de lavagem de dinheiro; seus líderes ainda estão tentando limitar as perdas dos depositantes estrangeiros, na esperança vã de que as coisas possam voltar ao normal, e estavam tão ansiosos para proteger os grandes depositantes que tentaram limitar os prejuízos dos estrangeiros, expropriando os pequenos depositantes domésticos. Mas os cidadãos cipriotas reagiram com ultraje, o plano foi rejeitado e, neste momento, ninguém sabe o que vai acontecer.

Meu palpite é que, no final, o Chipre adote algo como a solução islandesa, mas, a não ser que acabe sendo obrigado a abandonar a zona do euro nos próximos dias --uma possibilidade real--, é possível que antes perca muito tempo e dinheiro com meias-medidas, na tentativa de evitar encarar a realidade, ao mesmo tempo incorrendo em dívidas enormes com os países mais ricos. Veremos.

Mas pare por um instante para refletir no fato incrível de que paraísos fiscais como o Chipre, as Ilhas Cayman e muitos outros ainda estão operando mais ou menos como operavam antes da crise financeira global. Todo o mundo testemunhou os danos que banqueiros descontrolados podem provocar, mas, mesmo assim, boa parte dos negócios financeiros do mundo ainda passa por jurisdições que deixam os bancos passar ao largo de regulamentos, até dos regulamentos brandos que instituímos. Todo o mundo fala em déficits orçamentários, mas corporações e pessoas ricas continuam a fazer uso livre de paraísos fiscais para evitar a obrigação de pagar impostos, como faz o povinho.

Portanto, não chore pelo Chipre; chore pelo resto de nós, que vivemos em um mundo cujos líderes parecem estar determinados a não aprender com os desastres.

Tradução de Clara Allain

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

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