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paul krugman

 

15/04/2013 - 13h29

A rede antissocial dos 'bitcoins'

A oscilação exagerada do "bitcoin" pode não ter sido a notícia econômica mais importante das últimas semanas, mas foi a mais divertida, com certeza. Num período de menos de duas semanas, o preço da chamada "moeda digital" mais que triplicou. Em seguida, caiu mais de 50% em poucas horas. De repente pareceu que tínhamos voltado à era ponto.com.

O significado econômico dessa montanha-russa foi basicamente nenhum. Mas o furor em torno do "bitcoin" serviu de lição útil sobre como as pessoas têm concepções equivocadas em relação ao dinheiro, e, em especial, sobre como se deixam enganar devido a seu desejo de divorciar o valor do dinheiro da sociedade à qual o dinheiro serve.

O que é um "bitcoin"? Às vezes é descrito como uma maneira de realizar transações online --mas isso, por si só, não constituiria novidade num mundo de transações online com cartões de crédito e PayPal. Na realidade, o Departamento de Comércio dos EUA estima que até 2010, cerca de 16% das vendas totais efetuadas nos EUA já eram feitas no comércio eletrônico.

Então de que maneira o "bitcoin" é diferente? Diferentemente das transações com cartão de crédito, que deixam um rastro digital, as transações com "bitcoin" são criadas para serem anônimas e impossíveis de ser rastreadas. Quando você transfere "bitcoins" a alguém, é como se tivesse ido a uma viela escura e entregado a alguém um saco de papel com cédulas de US$100. E, dito e feito: pelo que é possível saber, tirando seu uso como alvo de especulação, a principal utilização feita do "bitcoin" até agora vem sendo para versões online daquelas transações em ruelas escuras, com "bitcoins" sendo trocados por drogas e outros produtos ilegais.

Mas os defensores do "bitcoin" insistem que este faz muito mais do que facilitar a realização de transações ilícitas. Os maiores investidores declarados em "bitcoin" são os irmãos Winklevoss, gêmeos ricos que moveram uma ação bem-sucedida para reivindicar uma parcela do Facebook e foram celebrizados pelo filme "A Rede Social". E eles defendem o produto digital em termos semelhantes aos usados por defensores do ouro quando falam de seu metal favorito. Tyler Winklevoss declarou recentemente: "Optamos por investir nosso dinheiro e nossa confiança num quadro matemático que é imune à política e ao erro humano".

A semelhança com o discurso dos defensores do ouro não é coincidência, já que os entusiastas do ouro e dos "bitcoins" tendem a compartilhar uma posição política libertária e a crença de que os governos abusam profundamente de seu poder de imprimir dinheiro. Ao mesmo tempo, é muito peculiar, já que os "bitcoins" são, em certo sentido, o máximo possível em matéria de moeda fiduciária, com valor que não é baseado em nada concreto.

O valor do ouro vem em parte do fato de esse metal ter utilizações não monetárias, como em obturações dentárias e na fabricação de joias; as moedas de papel têm valor porque são garantidas pelo poder do Estado, que as define como moeda legal e as aceita no pagamento de impostos. No caso dos "bitcoins", seu valor, quando existe algum, se deve puramente à crença de que outras pessoas os aceitarão como forma de pagamento.

Mas deixemos essa característica estranha de lado, além do processo peculiar de "garimpagem" empregado para fazer crescer o montante de "bitcoins" --na realidade, um processo de cálculo complexo. Foquemos, ao invés disso, duas grandes ideias equivocadas --uma delas prática, outra de cunho filosófico-- que são subjacentes tanto à crença no valor fundamental do ouro quanto na aposta nos "bitcoins".

O equívoco prático em questão --e é grande-- é a ideia de que vivemos numa era marcada pela impressão altamente irresponsável de dinheiro, em que a inflação galopante estaria prestes a chegar. É verdade que o Federal Reserve e outros bancos centrais ampliaram suas folhas de balanço em muitos, mas o fizeram explicitamente, como medida temporária em resposta à crise econômica.

Eu sei que se diz que não é possível confiar em autoridades governamentais e tudo o mais, mas a verdade é que as promessas de Ben Bernanke de que suas ações não terão consequências inflacionárias vêm sendo cumpridas ano após ano, enquanto as previsões agourentas de inflação feitas pelos partidários do ouro insistem em não se concretizar.

Mas me parece que o equívoco filosófico é ainda maior. Tanto os partidários do ouro quanto os dos "bitcoins" parecem ansiar por um padrão monetário puro, que seja intocado pelas fragilidades humanas.

Mas esse é um sonho impossível. Como Paul Samuelson declarou certa vez, o dinheiro é um "expediente social", não algo que exista fora da sociedade. Mesmo quando as pessoas usavam moedas de ouro e prata, a utilidade dessas moedas não estava nos metais preciosos que continham, mas na expectativa de que outras pessoas as aceitariam como forma de pagamento.

Na realidade, poderíamos imaginar que os irmãos Winklevoss entendessem esse fato, já que, de certo modo, o dinheiro é como uma rede social: algo útil apenas na medida em que outras pessoas o utilizam. Mas acho que algumas pessoas simplesmente se incomodam com a noção de que o dinheiro é uma coisa humana e querem os benefícios da rede monetária sem a parte social dela. Lamento --isso é impossível.

Será que precisamos de um novo tipo de dinheiro, então? Acho que esse argumento poderia ser apresentado se o dinheiro que temos estivesse apresentando problemas de funcionamento. Mas não está. Temos problemas econômicos enormes, mas as folhinhas de papel verde estão funcionando muito bem. Não deveríamos mexer com elas.

Tradução de CLARA ALLAIN

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

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