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paul krugman

 

20/05/2011 - 10h24

Produzindo coisas nos Estados Unidos

Alguns anos atrás, um dos meus vizinhos, um engenheiro vindo da Rússia, fez uma observação sobre seu país adotivo: "Os Estados Unidos parecem ricos", disse, "mas nunca vejo uma pessoa de fato produzindo alguma coisa".

Foi uma afirmação um tanto injusta, mas não de todo -e com a passagem do tempo, tornou-se mais e mais precisa. Por volta da metade da década passada, eu costumava brincar que os norte-americanos ganhavam a vida vendendo casas uns aos outros, com dinheiro tomado de empréstimo na China. A indústria, no passado o ponto forte da economia dos Estados Unidos, parecia estar em declínio terminal.

Mas isso pode estar mudando. A indústria é um dos poucos pontos de destaque em uma recuperação no geral decepcionante, e existem sinais -apenas preliminares, mas ainda assim causa de esperança- de que uma retomada sustentada na atividade industrial pode estar a caminho.

E há algo mais que você deveria saber: se os críticos direitistas dos esforços de recuperação econômica tivessem conseguido o que desejam, essa retomada não estaria acontecendo.

O retrospecto, até o momento: nos anos 90, o emprego industrial norte-americano era mais ou menos firme. Depois de 2000, porém, entrou em forte declínio. A recessão de 2001 prejudicou severamente a indústria, enquanto a expansão da metade da década, alimentada por diversas bolhas e caracterizada por imensa alta no deficit comercial, não beneficiou o setor industrial. Em dezembro de 2007, o número de empregos industriais existentes nos Estados Unidos era 3,5 milhões de postos mais baixo do que em 2000; e milhões de outros empregos desapareceram na crise financeira subsequente.

Apenas alguns poucos desses empregos perdidos retornaram, de lá para cá. Mas, como eu disse, existem indicações de uma reversão.

Um aspecto crucial é que o deficit no comércio de produtos industrializados parece estar caindo. No momento, ele é de apenas metade do que foi no pico da bolha da habitação, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), e há novas melhoras a caminho. O Boston Consulting Group, que agora prevê um "renascimento industrial" norte-americano, aponta para o exemplo de grandes empresas norte-americanas como a Caterpillar, que transferiram empregos ao exterior mas agora os estão trazendo de volta. Ao mesmo tempo, companhias de outros países, especialmente europeus, estão transferindo sua produção aos Estados Unidos.

E um potencial desastre foi evitado: a indústria automobilística norte-americana, que dois anos era vista como destruída, por muita gente, sobreviveu à tempestade. Em termos mais específicos, a General Motors teve cinco trimestres sucessivos de lucro.

O coração industrial dos Estados Unidos agora lidera a recuperação econômica. Em agosto de 2009, o Estado do Michigan tinha desemprego de 14,1%, o mais alto do país. Hoje, o índice caiu a 10,3%, ainda acima da média nacional mas mesmo assim uma imensa melhora.

Não pretendo sugerir que tudo está maravilhoso no setor industrial norte-americano. Até o momento, os avanços são modestos e muitos dos novos empregos industriais não oferecem bons salários ou benefícios. A retomada da atividade industrial não tornará desnecessária a reforma na saúde ou evitará a necessidade de uma forte rede de segurança social.

Ainda assim, é melhor esses empregos do que não tê-los. O que me conduz de volta aos críticos direitistas.

Primeiro, o que está propelindo a reversão do deficit em nosso comércio de produtos industrializados? A resposta principal é que o dólar dos Estados Unidos caiu diante de outras moedas, o que ajuda a propiciar vantagem de custo à base industrial norte-americana. Um dólar mais fraco, portanto, era exatamente o que a indústria norte-americana precisava.

Ainda assim, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) se vê sob intensa pressão da direita para fortalecer o dólar, e não enfraquecê-lo ainda mais. Poucos meses atrás, o deputado Paul Ryan, presidente do Comitê Orçamentário da Câmara, criticou Ben Bernanke, o chairman do Fed, por não adotar política monetária mais dura, afirmando que "não existe nada mais insidioso que um país possa fazer contra seus cidadãos do que desvalorizar a moeda". Caso Bernanke tivesse cedido a esse tipo de pressão, a indústria teria continuado seu declínio incansável.

E há também a questão da indústria automobilística, que provavelmente teria implodido caso o presidente Obama não tivesse decidido intervir para salvar a General Motors e a Chrysler. Pois essas empresas quase certamente teriam falido, com o fechamento de todas as suas fábricas. E essa liquidação teria solapado o restante do setor automobilístico norte-americano, já que os fornecedores essenciais também quebrariam. Havia centenas de milhares de empregos em jogo.

No entanto, Obama foi ferozmente denunciado pelas medidas que tomou. Um deputado republicano declarou que o resgate do governo ao setor automobilístico constituía uma "guerra contra o capitalismo". Outro insistiu em que quando um governo se envolve com uma empresa, "o desastre consequente é previsível". Nem tanto, como a realidade provou.

Assim, embora continuemos a viver em uma economia profundamente abalada, existe pelo menos uma boa notícia: a de que os norte-americanos estão começando de novo a produzir coisas. E o estamos fazendo graças, em larga medida, ao fato de que o Fed e o governo Obama ignoraram os péssimos conselhos da direita -ideólogos que, contrariando todas as provas, continuam a alegar que sabem alguma coisa sobre como criar prosperidade.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

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