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paul krugman

 

10/06/2011 - 10h44

O governo dos credores

Os mais recentes dados econômicos puseram fim a qualquer esperança de uma retomada rápida na criação de empregos norte-americana, que atravessa seca tão longa que o período médio de desemprego para os norte-americanos sem trabalho é de quase 40 semanas, agora. Mas não existe vontade política para fazer coisa alguma a respeito da situação. Em lugar de estarem dispostos a investir mais na criação de empregos, os dois partidos concordam em que é hora de cortar gastos -processo que destruirá empregos. A única diferença entre eles é de grau.

E o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) tampouco sairá em resgate dos desempregados. Na terça-feira, o chairman da instituição, Ben Bernanke, reconheceu a severidade do quadro econômico mas deu a entender que nada fará a respeito.

E o alívio às dívidas dos mutuários da habitação -o que poderia ter feito muito para promover uma recuperação econômica generalizada- foi simplesmente excluído da agenda. O programa de assistência hipotecária em vigor foi um fracasso, despendendo apenas uma fração mínima dos recursos alocados, mas não parece existir interesse em reformular e reiniciar o esforço.

A situação é semelhante na Europa, e possivelmente até pior. A retórica de política monetária dura e rejeição a medidas de alívio de dívidas adotada pelo Banco Central Europeu (BCE) faz com que Bernanke soe liberal.

O que explica essa paralisia da política econômica dos dois lados do Atlântico? Estou cada vez mais convencido de que ela é uma resposta a pressões de grupos de interesses. De forma consciente ou não, as autoridades econômicas estão atendendo de forma quase exclusiva aos interesses daqueles que vivem de renda -os investidores que derivam renda elevada de ativos financeiros, e que no passado emprestaram grandes somas, muitas vezes de maneira insensata, mas agora estão sendo protegidos contra prejuízos em detrimento de todo mundo mais.

É claro que não é dessa maneira que aquilo que defino como a Aliança da Dor defende suas posições. Em lugar disso, os argumentos contrários a medidas de assistência aos desempregados são expressados em termos de risco econômico. Qualquer coisa que seja feita para criar empregos resultará em disparada das taxas de juros, inflação descontrolada e assim por diante. Mas esses riscos parecem se recusar a tomar forma concreta. As taxas de juros continuam próximas de suas mais baixas marcas da História, e a inflação, desconsiderado o preço do petróleo -determinado por mercados e eventos mundiais e não pela política econômica norte-americana- continua baixa.

E diante desses riscos hipotéticos é preciso expor a realidade de uma economia que continua profundamente deprimida, a grande custo tanto para os trabalhadores de hoje quanto para o futuro de nosso país. Afinal, como podemos esperar prosperar dentro de duas décadas quando milhões de jovens formandos estão, na prática, tendo negada a chance de iniciar suas carreiras, agora?

Se você solicitar uma teoria coerente para justificar o abandono dos desempregados, não encontrará resposta. Em lugar disso, os membros da Aliança da Dor parecem estar improvisando ao longo do caminho, inventando motivos sempre mutáveis para suas receitas políticas imutáveis.

Embora o motivo ostensivo para causar dor não pare de mudar, porém, todas as receitas políticas da Aliança da Dor têm algo em comum: protegem os interesses dos credores, não importa a que custo. Gastos públicos bancados por deficit poderiam criar trabalho para os desempregados -mas isso talvez prejudique os interesses dos credores. Medidas mais agressivas do Fed poderiam gerar o estímulo que nos tiraria da crise -de fato, até mesmo economistas republicanos argumentaram que certa dose de inflação poderia ser a receita correta-, mas os interesses dos credores são atendidos pela deflação, não pela inflação.

E quem são esses credores de quem falo? Não se trata de proprietários laboriosos e frugais de pequenas empresas ou seus funcionários, ainda que os interesses dos grandões sejam bem servidos pela ficção de que suas ideias servem para proteger os pequeninos que respeitam as regras. A verdade é que os proprietários de pequenas empresas e os trabalhadores sofrem muito mais com a economia fraca do que sofreriam, digamos, com uma modesta inflação que ajude a promover recuperação.

Não, os únicos verdadeiros beneficiários das políticas da Aliança da Dor (além do governo chinês) são os credores, os banqueiros e os indivíduos ricos com muitos títulos de dívida em suas carteiras de investimento.

E isso explica por que os interesses dos credores têm papel político tão importante; não só é essa a classe que faz as maiores doações a campanhas políticas mas também é essa a classe que conta com acesso pessoal às autoridades -muitas das quais se tornam funcionárias dessas pessoas quando saem do governo. O processo de influência não requer necessariamente corrupção aberta (ainda que ela também ocorra). O necessário é apenas a tendência de presumir que aquilo que é bom para as pessoas com as quais as autoridades convivem, as pessoas que tanto impressionam nas reuniões -afinal, elas são ricas, inteligentes e contam com ótimos alfaiates- deve ser bom para a economia em geral.

Mas a realidade é exatamente a oposta: políticas favoráveis aos credores estão paralisando a economia. Esse é um jogo no qual a maioria perde, e no qual a tentativa de proteger os credores contra quaisquer prejuízos está infligindo prejuízos muito maiores a todo mundo mais. E a única maneira de promover recuperação real é abandonar esse jogo.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

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