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paul krugman

 

26/09/2011 - 16h53

Viagem para a morte da zona do euro

É possível sentir-se ao mesmo tempo apavorado e entediado? É como eu me sinto em relação às negociações em curso sobre como reagir à crise econômica da Europa, e desconfio que outros observadores compartilham meu sentimento.

Por um lado, a situação da Europa é realmente assustadora: com países que respondem por um terço da economia da área do euro agora sendo alvos de ataques especulativos, a própria existência da moeda única está sendo ameaçada _e um colapso do euro poderia causar prejuízos enormes ao mundo.

Por outro lado, os responsáveis políticos europeus parecem estar determinados a continuar na mesma linha do que vêm fazendo até agora. Eles provavelmente encontrarão uma maneira de oferecer mais crédito aos países com problemas, o que pode ou não afastar temporariamente o desastre iminente. Mas não parecem estar nem um pouco preparados para reconhecer uma verdade crucial: que sem mais políticas fiscais e monetárias expansionistas nas economias europeias mais fortes, todas suas tentativas de resgate vão fracassar.

A história até agora: a introdução do euro, em 1999, levou a um boom enorme na concessão de empréstimos às economias periféricas da Europa, porque os investidores pensavam (equivocadamente) que, em função da moeda comum, a dívida grega ou espanhola fosse tão segura quanto a dívida alemã. Contrariamente ao que se ouve com frequência, esse boom de crédito não estava financiando principalmente gastos governamentais perdulários --Espanha e Irlanda chegaram a ter superávits orçamentários na véspera da crise, e suas dívidas eram baixas. Em lugar disso, os fluxos de dinheiro entrantes alimentaram principalmente grandes booms de gastos de particulares, especialmente com habitação.

Mas quando o boom de crédito terminou repentinamente, o resultado foi uma crise econômica e fiscal. Recessões selvagens empurraram as arrecadações de impostos para baixo, mergulhando os orçamentos no vermelho; enquanto isso, o custo dos resgates dos bancos levou a dívida pública a aumentar de repente. E um resultado foi um colapso na confiança que os investidores sentiam nos títulos de dívida dos países periféricos.

E agora, como fica? A resposta da Europa vem sendo exigir austeridade fiscal rígida dos devedores com problemas, especialmente cortes acentuados nos gastos públicos, e, ao mesmo tempo, fornecer financiamento tapa-buraco até que os investidores privados voltem a sentir confiança. Poderá essa estratégia funcionar?

Não para a Grécia, que realmente foi fiscalmente perdulária durante os bons anos e deve mais do que tem condições plausíveis de pagar. Provavelmente não para Irlanda e Portugal, que, por razões diferentes, também têm dívidas pesadas. Mas, desde que haja um ambiente externo favorável --especificamente, uma economia europeia total forte, com inflação moderada--, poderia funcionar para a Espanha, que mesmo agora tem dívida relativamente baixa, e a Itália, com alto nível de dívida mas déficits surpreendentemente pequenos.

Infelizmente, os políticos europeus parecem estar determinados a negar a esses devedores o ambiente de que necessitam.

Pense o problema assim: com o fim do boom financiado pela dívida, a demanda dos consumidores nos países devedores caiu muito. Ao mesmo tempo, os gastos do setor público também estão sendo fortemente reduzidos pelos programas de austeridade. Então de onde vão vir os empregos e o crescimento? A resposta só pode estar nas exportações, principalmente para outros países europeus.

Mas as exportações não podem crescer se os países credores também estiverem implementando políticas de austeridade, possivelmente empurrando a Europa como um todo de volta à recessão.

Além disso, os países devedores precisam cortar preços e custos com relação a países credores como a Alemanha, algo que não seria muito difícil se a Alemanha tivesse inflação de 3% ou 4%, permitindo que os devedores ganhassem terreno simplesmente por terem inflação baixa ou zero. Mas o Banco Central Europeu tem um viés deflacionário _cometeu um erro terrível ao elevar as taxas de juros em 2008, justamente quando a crise financeira estava ganhando força, e mostrou que não aprendeu nada quando repetiu o erro este ano.

Em consequência disso, o mercado hoje prevê inflação muito baixa na Alemanha --cerca de 1% nos próximos cinco anos--, o que implica em deflação significativa nos países devedores. Isso vai ao mesmo tempo aprofundar as recessões deles e aumentar o ônus real de suas dívidas, mais ou menos garantindo o fracasso de todos os esforços de resgate.

E não vejo sinal algum de que as elites políticas europeias estejam preparadas para repensar seu dogma de dinheiro apertado e austeridade.

Parte do problema talvez seja que essas elites políticas têm memória histórica seletiva. Elas adoram falar sobre a inflação alemã do início dos anos 1920 _uma história que, por acaso, não tem relevância alguma para nossa situação atual. Mas elas quase nunca mencionam um exemplo que vem muito mais ao caso: as políticas de Heinrich Bruening, o chanceler alemão de 1930 a 1932, cuja insistência sobre equilibrar os orçamentos e preservar o padrão ouro fizeram a Grande Depressão ser ainda pior na Alemanha que no resto da Europa, o que preparou o palco para "aquilo".

Não prevejo que nada tão terrível aconteça na Europa do século 21. Mas há uma distância muito grande entre o que o euro precisa para sobreviver e o que os líderes europeus estão preparados para fazer, ou até mesmo falar em fazer. E, em vista dessa distância, é difícil identificar razões para otimismo.

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

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