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paul krugman

 

31/10/2011 - 16h45

Bombas, pontes e empregos

Alguns anos atrás o deputado Barney Frank cunhou um termo apropriado para descrever muitos de seus colegas: "keynesianos militarizados", definidos como sendo aqueles para os quais "o governo não gera empregos quando financia a construção de pontes ou pesquisas importantes ou quando proporciona formação profissional a trabalhadores; mas, quando constrói aviões que nunca serão usados em combate, isso, é claro, é a salvação econômica".

Neste momento, os keynesianos militarizados estão presentes em grande número - razão pela qual este é um bom momento para verificar o que vem acontecendo de fato nas discussões sobre a política econômica.

O que está fazendo os partidários dos grandes gastos militares vir a público é o iminente prazo final para que o chamado supercomitê acorde um plano para a redução do déficit. Teoricamente, se não for fechado um acordo, isso irá desencadear cortes no orçamento da defesa.

Diante dessa perspectiva, os republicanos - que normalmente insistem que o governo não pode gerar empregos, argumentando que a chave para a recuperação consiste em reduzir, e não aumentar, os gastos federais - correram para se opor a quaisquer cortes nos gastos militares? Por que? Segundo eles, tais cortes acabariam com empregos.

Assim, algum tempo atrás o deputado republicano Buck McKeon, da Califórnia, atacou o plano de estímulo de Obama, afirmando que "mais gastos não são o que a Califórnia ou este país precisam". Mas duas semanas atrás, escrevendo no "Wall Street Journal", McKeon - hoje presidente do Comitê da Câmara para as Forças Armadas - avisou que os cortes na defesa previstos para ocorrer se o supercomitê não conseguir chegar a um acordo eliminariam empregos e elevariam o índice de desemprego.

Oh, a hipocrisia! Mas por que essa forma particular de hipocrisia se repete sempre?

Para começar pelo que vem primeiro: os gastos militares de fato geram empregos quando a economia está deprimida. De fato, boa parte das provas de que a teoria econômica keynesiana funciona vem do rastreamento dos efeitos de fases de grande acúmulo de equipamentos militares. Alguns liberais não gostam dessa conclusão, mas a teoria econômica não é uma moralidade (um drama apresentado para ilustrar uma moral): gastar com coisas que você desaprova nem por isso deixa de ser gastar, e mais gastos gerariam mais empregos.

Mas por que alguém preferiria gastar com destruição, ao invés de gastar com construção, optando por construir armas ao invés de pontes?

O próprio John Maynard Keynes ofereceu uma resposta parcial 75 anos atrás, quando notou uma curiosa "preferência por formas totalmente 'esbanjadoras' de gasto de empréstimos obtidos, ao invés de formas parcialmente esbanjadoras, que, pelo fato de não serem totalmente esbanjadoras, tendem a ser julgadas segundo princípios estritamente 'de negócios'". De fato. Gaste dinheiro com alguma meta útil, como a promoção de novas fontes energéticas, e as pessoas começam a gritar "Solyndra! Desperdício!". Gaste dinheiro com um sistema de armas de que não precisamos, e essas vozes se silenciam - porque ninguém espera que F-22s sejam comercialmente rentáveis.

Para fazer frente a essa preferência, Keynes sugere - em tom de brincadeira - que se enterrem vidros cheios de dinheiro vivo em minas desativadas e se permita que o setor privado as desenterre. No mesmo espírito de brincadeira, sugeri recentemente que uma falsa ameaça de invasão de extraterrestres, que exigiria gastos imensos para combater os aliens, talvez fosse justamente o que seria preciso para fazer a economia começar a se movimentar novamente.

Mas também há motivações mais sombrias por trás do keynesianismo militarizado.

Para começar, admitir que gastar dinheiro público com projetos úteis pode gerar empregos é admitir que fazer esses gastos pode fazer algum bem - que às vezes o governo é a solução, e não o problema. Eu argumento que o medo de que os eleitores cheguem à mesma conclusão é a principal razão pela qual a direita sempre enxergou a teoria econômica keynesiana como uma doutrina de esquerda, quando, na realidade, ela não é nada disso. Contudo, gastar com projetos inúteis ou, melhor ainda, destrutivos, não cria o mesmo problema para os conservadores.

Além disso, há algo que foi explicado muito tempo atrás pelo economista polonês Michael Kalecki: admitir que o governo pode gerar empregos significa reduzir a importância percebida da confiança das empresas.

Os apelos à confiança sempre foram uma questão chave para os que se opõem à taxação e à regulamentação; as queixas de Wall Street contra o presidente Barack Obama fazem parte de uma longa tradição pela qual empresários ricos e seus publicitários argumentam que qualquer indício de populismo por parte de políticos vai desagradar a gente como eles e que isso teria efeitos negativos para a economia. Mas, a partir do momento em que você reconhece que o governo pode agir diretamente para gerar empregos, essas queixas perdem boa parte de seu poder de persuasão. Por isso, torna-se necessário rejeitar a teoria keynesiana, exceto nos casos em que ela é usada para defender contratos lucrativos.

Por tudo isso, eu saúdo o aumento repentino no keynesianismo militarizado, que está trazendo à tona a realidade por trás de nossos debates políticos. Em um nível fundamental, os adversários de qualquer programa sério de geração de empregos sabem perfeitamente que tal programa provavelmente funcionaria, pela mesma razão pela qual cortes na defesa aumentariam o desemprego. Mas não querem que os eleitores saibam que eles sabem, porque isso prejudicaria sua agenda maior: evitar a regulamentação e a elevação dos impostos sobre os ricos.

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

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