É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.
Autoritarismo de Trump nega valores dos EUA e abala o consenso global
Nicholas Kamm - 25.jan.17/AFP | ||
Donald Trump se prepara para assinar ordem executiva de construção de muro na fronteira com México |
Tal como seriados da TV, em que os capítulos acabam com suspense para segurar a atenção do telespectador para o capítulo seguinte, Donald Trump levou à Casa Branca o seu lado showman –com ele no papel de "patrão" e chefes de governo, jornalistas, empresários, imigrantes como aspirantes a "aprendiz".
Para um presidente que se elegeu prometendo renovar o capitalismo, uma obra sem fronteiras por princípio, soou mal anunciar a "América Primeiro" no discurso de posse. Explicitou seu viés autoritário, negando valores imanentes à cultura da maior potência econômica e militar e subindo o tom até contra países alinhados aos EUA.
Um agitador na Casa Branca, que pelo Twitter ofende quem lhe atravesse o caminho ou inimigos imaginários, já provoca desconfiança do empresariado, e até mais: uma oposição ostensiva.
É o caso dos empreendedores do Vale do Silício, não só preocupados com a truculência de quem supunham ser um dos seus mas atentos aos próprios colaboradores, que reclamam coerência entre o discurso e a prática de empresas que se propõem a mudar o mundo para melhor.
Foi imperdoável insultar o presidente do México, sócio dos EUA e do Canadá no acordo que os unem desde 1994, ao exigir que pague a construção de muro para barrar a entrada de imigrantes num país formado por estrangeiros, incluindo seus avós. Havia outro modo de tratar o assunto que fazer exigência descabida e ameaçar com sanções as empresas americanas com fábricas no país.
Não censurou um assessor que acusou a Alemanha de manipular o euro e ele mesmo ameaça as exportações da China com uma tarifa de 45%, levantando a velha bandeira do protecionismo. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro, diz ser "inconcebível" que os acordos de comércio "tenham tido impacto significativo nos salários e empregos nos EUA pela simples razão de que o mercado americano estava quase que completamente aberto 40 anos antes" de terem sido firmados.
O que parecia retórica populista para agradar ao eleitorado mais atingido nas últimas décadas não bem pela migração industrial, mas devido à evolução tecnológica, tem se revelado um risco real.
Ele assinou ordem executiva, tipo decreto-lei, tirando os EUA do Transpacífico, baniu a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana e suspendeu vistos de trabalho. A reação não tardou. A Justiça cancelou liminarmente a ordem, e 97 empresas de base tecnológica, como Facebook e Google, se uniram em petição contra o ato (criticado também por JPMorgan, Goldman e Ford).
O que virá é incerto, mas a expectativa é que a sua "marca" estará no futuro associada a retrocesso e obscurantismo.
Trump, o "brexit" e a ascensão do nacionalismo na Europa refletem a insatisfação da sociedade em vários países, e até no Brasil, com a regressão social e os políticos em geral. Mas ele propõe soluções erradas, como um nacionalismo sem lugar num mundo globalizado.
A reação contrária e aberta dos empresários, da imprensa livre e da maioria da sociedade mostra a vitalidade de um país que respeita sua história e indica que o trumpismo terá dificuldade em reduzir os EUA ao status de república bananeira.
Há outras soluções, como propõe a OCDE na série Novas Abordagens para os Desafios Econômicos. O momento é sério demais para que se repitam os modelos fracassados que infligiram sofrimento ao mundo.
No Brasil, o cuidado deverá ser redobrado para que as velhas ideias que nos trouxeram à atual crise econômica e social não ganhem sobrevida inspiradas pela era do showman.
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